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06WEB menor1133IMPORTAÇÕES ficaram mais caras e demoradas durante a pandemia - Divulgação: Fundação CoppetecA burocracia prejudica a pesquisa. E, nestes tempos de pandemia, pode até matar. Processos de aquisição de maquinário e insumos do exterior, que já eram complexos antes da emergência de saúde pública, se tornaram ainda mais demorados e caros. A situação atrasa ações da UFRJ que salvam vidas.
O tempo de trânsito da China para o Brasil, que era de 5 a 7 dias, agora passou para 9 a 12 dias, informa a Fundação Coppetec, que gerencia projetos em apoio à UFRJ. Como algumas importações daquele país são voltadas para ações de combate ao coronavírus, a mudança de prazo “tem sido crítica” para a fabricação de respiradores, por exemplo.
Outro problema é o reajuste nos valores dos fretes internacionais. A fundação cita um processo de importação da China que deveria custar US$ 440,35, mas sofreu um acréscimo de US$ 800 devido à escassez no transporte gerada pelas medidas restritivas de isolamento social.
“O sistema todo fica mais burocrático”, alerta o diretor-executivo da Coppetec, Fernando Peregrino. O dirigente chama atenção que o problema não se esgota na chegada ao país. Alguns produtos precisam passar pelo crivo de órgãos federais, como a Agência de Vigilância Sanitária (Anvisa), no caso de materiais biológicos. “Esses órgãos estão respondendo com muita lentidão”, disse. Nem mesmo os processos relacionados ao combate do novo coronavírus teriam ficado mais ágeis, como previsto em legislação emergencial. “A burocracia é indiferente à emergência”, completa Peregrino.
Diretor do Nupem, o professor Rodrigo Nunes reforça o argumento de como fazem falta processos rápidos de aquisição de insumos e máquinas. “Estamos fazendo o teste de Covid aqui no Nupem, mas os insumos não são fabricados no Brasil”. E o país fica em último lugar na “fila” das importações, em função da queda de incentivo à Ciência. “No momento da pandemia, por não termos os insumos, deixamos de salvar vidas”, critica. “Estamos tentando importar um extrator para os diagnósticos de Covid-19, mas há demora de 60 dias úteis”.
O obstáculo da burocracia é antigo e envolve os aspectos mais simples da pesquisa acadêmica. O professor Paulo César de Paiva conta uma saga que enfrentou há 20 anos, ao lado de uma aluna, para recuperar um exemplar de minhoca marinha, no Galeão. A amostra, raríssima, estava conservada em um museu da Suécia por mais de um século e havia sido emprestada ao Instituto de Biologia.
Quando chegou ao Brasil, acabou retida no aeroporto. Para liberar o material, o professor precisou chamar o diretor do instituto em pessoa e ainda passou por três setores: Polícia Federal, Vigilância Sanitária e Ministério da Agricultura. E, em meio a tudo isso, havia o risco de a amostra ser queimada, como era o procedimento da época.
Paulo César só conseguiu sair com a amostra, pois um funcionário da Agricultura o reconheceu. Algum tempo antes, o professor havia auxiliado a identificar um animal que havia sido transportado ilegalmente para o Brasil. “Eu nunca mais pedi material (do exterior)”, relata.
O professor Antonio Solé, do Instituto de Biologia, também compartilha uma história inusitada. Há seis anos, solicitou amostras de um determinado peixe a um colega norte-americano para o trabalho de um doutorando sob sua orientação. “Quando chegou ao aeroporto de Viracopos, em Campinas, nos disseram que era preciso ‘desembaraçar’ o material”, explica Solé. Após várias exigências que considerou absurdas, o professor desistiu. “Disse que não queria mais. Um mês depois me enviaram as amostras”, afirma.

SOLUÇÕES PARA REDUZIR A BUROCRACIA

Nem os jovens pesquisadores são poupados da dor de cabeça da importação de equipamentos. Aluno de mestrado do programa de Zoologia do Museu Nacional, Victor Hugo conseguiu apoio da National Geographic  Society para filmar os experimentos com uma estrela-do-mar que habita parte da costa sul-americana.
Em apenas uma semana, solicitou e garantiu o empréstimo de três câmeras subaquáticas Go Pro 7 Black Hero — cada uma vale aproximadamente R$ 2 mil. Enviadas no início de outubro, dos Estados Unidos, as máquinas deveriam chegar, gratuitamente, à residência do estudante. Mas acabaram retidas na Receita Federal, no dia 14. A empresa responsável pelo transporte comunicou ao mestrando que a importação seria tratada como “compra para uso próprio”, pois pessoa física não poderia importar produtos de uso profissional  “e/ou que dê intenção de comércio”. Para liberar o equipamento, uma inesperada exigência: contratar um despachante aduaneiro, ao custo de R$ 750.
O mestrando tentou explicar que as câmeras seriam usadas em uma pesquisa e depois devolvidas, mas sem sucesso. Enquanto trocava mensagens com a empresa, as experiências com a estrela-do-mar foram realizadas. Em fevereiro, Victor solicitou a devolução do equipamento aos EUA. “Não atrapalhou a pesquisa, mas foi bem frustrante, pois a ideia era fazer algo diferente, de divulgação científica, de não falar só para a minha área”, lamentou Victor.
“Importamos luvas. Importamos máscaras. Por que importar qualquer coisa, se podemos fazer internamente? Destroem a indústria nacional. Na hora que precisa da indústria, não tem”, questiona Fernando Peregrino, de forma enfática. “A importação seria reduzida. E importaríamos só o necessário”.
O diretor do Nupem segue a mesma linha. “O Brasil deveria investir em fazer seu próprio maquinário para diminuir essa dependência do estrangeiro. Não fazemos nem microscópio simples da graduação”, critica Rodrigo Nunes.  “Jogamos milhões de reais, trocados em dólar, para fora e não estimulamos o mercado interno”.
Rodrigo observa como a velocidade de acesso a recursos é importante para a Ciência. “Eu trabalhei na Alemanha durante cinco anos. Eu pedia um determinado produto de manhã e chegava na minha bancada à tarde. No Brasil, pedindo da Coreia, demora dez dias para chegar em Macaé”, compara.
Christine Ruta, diretora da AdUFRJ, avalia que o Marco Legal da Ciência, Tecnologia & Inovação foi um exemplo positivo na flexibilização da burocracia no cotidiano do cientista. Mas a legislação ainda é insuficiente. Para Christine, o governo deve valorizar produtos e insumos nacionais e garantir recursos humanos especializados na aquisição destes materiais para facilitar a vida dos pesquisadores. “Contudo, no governo Bolsonaro, diante de um cenário de desprezo pela Ciência, de estagnação da tecnologia, e de falta de planos para a inovação, os cientistas se veem obrigados a defender primeiramente a manutenção dos investimentos nas pesquisas”, alerta.

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