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Breve reflexão sobre o CONSUNI do dia 10/11/2022
Felipe Rosa
Professor do Instituto de Física e ex-diretor da AdUFRJ
Estive presente à reunião do Conselho Universitário da última quinta-feira (10/11), na qual estava programada a votação do projeto de valorização do patrimônio da UFRJ. Sem entrar nos méritos específicos do projeto (que, na minha opinião, são muitos), gostaria de registrar aqui o movimento antidemocrático e violento protagonizado por uma pequena parcela da comunidade acadêmica — composta de estudantes em sua maioria, mas não totalidade — contrária ao projeto. Usarei doravante o termo "interventores" para designá-los, uma vez que estavam lá para interditar a sessão.
O clima de intimidação já estava posto desde antes do começo da sessão, quando alguns interventores se colocaram na porta do auditório, dificultando a entrada dos conselheiros/as. Em seguida, com alguns minutos de sessão iniciada, houve a "invasão" prometida durante a semana, com ~50 interventores adentrando a sala com tambores, bumbo e muitas palavras de ordem. A partir daí tivemos um espetáculo deplorável de desrespeito às normas e constrangimento democrático: ofensas pessoais à reitora, silenciamento de falas favoráveis ao projeto de revitalização e, mais grave, um "ataque" à mesa para impedir uma das votações, levando a interrupção da sessão por ~20 minutos. Graças à enorme confusão causada pelos interventores, a sessão se encerrou às 14 h (tendo começado às 9:30 h) sem que se pudesse votar qualquer encaminhamento.
Não se pode admitir que nenhum grupo decida, no grito, que a UFRJ não possa seguir tal ou qual caminho. Se a universidade, representada nos seus conselheiros/as, decidir que algo deve feito nos 15 mil m2 da área contemplada pelo projeto, não é um grupo de 50 ou 100 radicais que pode determinar outra coisa.
Espero que os interventores se portem de forma mais universitária na próxima reunião do Consuni.
Ricardo Stuckert/divulgaçãoOs professores contam os dias para o início do governo Lula. Após quase quatro anos de maus tratos na gestão Bolsonaro, representantes da área alimentam expectativas de aumento dos investimentos em todos os níveis de ensino, retomada do diálogo com o MEC e valorização da produção acadêmica.
“As universidades são protagonistas do desenvolvimento e do futuro do Brasil. A primeira expectativa é que sejamos respeitados, que sejamos ouvidos como instituições de Estado que somos”, afirma o presidente da Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes), professor Ricardo Marcelo Fonseca. “Esperamos que a marginalização da inteligência brasileira seja revertida de modo efetivo a partir do dia 1º de janeiro”.
Nos discursos da vitória, o presidente eleito fez várias declarações que confirmam o ponto de vista do dirigente da Andifes. “Foi uma campanha das pessoas que amam a educação. Investir em educação não é gasto, é investimento no futuro desse país (...) a educação vai voltar muito forte” , disse Lula para a multidão da Avenida Paulista.
Só que não basta mais voltar ao que era para enfrentar o cenário de destruição que será deixado por Bolsonaro. Lula sempre respeitou o processo de escolha dos reitores, mas o presidente da Andifes entende ser necessário avançar nesta discussão durante o próximo governo, com uma eventual mudança na legislação. “Neste governo, pudemos perceber que a lista tríplice pode ser desestabilizadora para o sistema”, afirma o docente. Bolsonaro nomeou 20 interventores, ao longo da gestão. “Não é uma discussão simples. Há diferenças importantes entre as universidades nos critérios internos”, diz.
Ricardo, que é reitor da Universidade Federal do Paraná, também quer aumento nas receitas das instituições para 2023. Para o ano que vem, Bolsonaro propôs um corte geral de 9,7% em relação às já insuficientes verbas de 2022.
Para a UFRJ, a PLOA 2023 apresenta apenas R$ 320,9 milhões — R$ 8,3 milhões a menos que o orçamento deste ano. A proposta do governo atual tramita no Congresso Nacional e representantes de Lula iniciaram conversas com a comissão de Orçamento, ainda nesta semana. “Não temos clareza ainda se o orçamento será votado este ano ou ano que vem”, diz Ricardo. “Temos ciência da complexidade da situação brasileira, mas que ao menos as universidades sejam colocadas numa situação de dignidade orçamentária”, reivindica o presidente da Andifes.
CONFERÊNCIAS
No discurso da Paulista, o presidente eleito anunciou a volta das conferências nacionais sobre diversos temas para ouvir as demandas da sociedade. A primeira Conferência de Educação ocorreu em 2010, no segundo mandato de Lula, mas a instância foi desvirtuada ainda no governo Temer. “Em 2017, o Mendonça Filho (então ministro do MEC) editou a portaria 577 desconfigurando a composição do Fórum Nacional de Educação (que organiza as conferências). Tirou sumariamente diversas entidades nacionais históricas da educação, aumentou a participação do MEC e aumentou a participação do setor privado”, observa o presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Educação (CNTE), professor Heleno Araújo.
O dirigente explicou que a CNTE, desde então, forma com as outras entidades o Fórum Nacional Popular da Educação. O FNPE tem realizado a Conferência Nacional Popular de Educação em contraponto aos eventos governistas. “Queremos a revogação daquela portaria e voltar ao Fórum”, completa Heleno.
A presidente da Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), professora Geovana Lunardi, é outra representante da área educacional que anseia pelo diálogo com o governo. “Nunca fomos chamados pelo MEC (de Bolsonaro). Houve ministros que eram contrários à educação. Como o Abraham Weintraub, com uma pauta de costumes completamente inadequada para a forma científica com que a educação deve ser tratada”. A docente também fez referência à constante troca de titulares da pasta — quatro, no total, e mais um que foi afastado antes mesmo de tomar posse. “Foram quatro anos de total ausência, ataques e desgoverno”, critica. “O próximo governo vai ter muito trabalho para conseguir reorganizar o MEC. Não estamos falando só de ministros”, completa. Um exemplo desta desorganização é a não atualização do PNPG. “Provavelmente, vamos encerrar este governo sem um Plano Nacional de Pós-graduação”.
A transição entre governos mal começou, mas a coordenadora da Setorial de Educação do Partido dos Trabalhadores, senadora eleita Teresa Leitão (PT-PE), dá pistas que os professores serão atendidos. A parlamentar citou medidas que considera urgentes, como recompor o orçamento das universidades e institutos federais, revisar o Plano Nacional de Educação e reajustar a merenda escolar. “Não é de imediato, tem que iniciar o debate, tem que ser desengavetado e pensado”. (colaborou Igor Vieira)
UFRJ QUER TIRAR EDUCAÇÃO DO TETO DE GASTOS
A reitoria da UFRJ quer incluir o orçamento das universidades no debate da transição entre os governos Bolsonaro e Lula. A proposta é recompor o corte de 7,2% aplicado em todo o sistema federal em junho. “Ainda que insuficiente, daria um alívio para este fechamento de ano”, explica o pró-reitor de Finanças, professor Eduardo Raupp. A ideia já foi comunicada à Andifes.
Outra medida, já pensando em 2023, seria a recomposição do orçamento das universidades dentro da “PEC de transição”. A Proposta de Emenda à Constituição que exclui despesas do teto de gastos públicos começou a ser costurada esta semana entre a equipe de Lula e o relator do orçamento, senador Marcelo Castro (MDB-PI).
A meta é a recomposição do orçamento do sistema federal de universidades em 2019, corrigido pela inflação. Outra alternativa é a total liberação das receitas próprias. Hoje, o governo impõe um limite nesta rubrica e todo o excedente retorna ao caixa do Tesouro. Somente em 2022, a universidade já somou R$ 15 milhões de excedente na rubrica e deve chegar a R$ 18 milhões até o fim do ano.
VIGILÂNCIA REDOBRA NOS DOIS MESES FINAIS DE BOLSONARO
A expectativa por dias melhores não deve diminuir a vigilância sobre o atual governo, observam os representantes das entidades da Educação. “Próximo ao segundo turno, houve uma movimentação do Ministério da Economia atacando o Fundeb, o fundo que financia a educação básica”, afirma o presidente da CNTE, Heleno Araújo. “Nós reagimos e vamos nos manter alertas para evitar qualquer ataque nesses dois últimos meses do governo Bolsonaro”.
A reforma administrativa é outra preocupação da CNTE. “A PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 32 é um ataque geral aos serviços públicos e ataca profundamente a educação pública. Estamos mobilizados e tentando evitar que o Arthur Lira (presidente da Câmara e aliado de Bolsonaro) coloque em pauta e aprove na Câmara e no Senado ainda este ano”.
Enquanto isso, a UFRJ luta para manter as portas abertas. “O cofre está praticamente zerado”, afirma o pró-reitor de Planejamento e Finanças, professor Eduardo Raupp. Já foram registrados casos de terceirizados sem pagamento por problemas na troca de documentos entre empresas e UFRJ. Mas, a partir deste mês, a realidade financeira começa a pesar de vez. “Começaremos a ter problemas de pagamentos em todas as áreas. Só as bolsas estudantis estão preservadas”.
Antes do segundo turno, o ministro da Economia, Paulo Guedes, sugeriu a transferência das universidades para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações. O pró-reitor de Finanças não acredita que a medida será levada adiante. “Mesmo que o governo viesse a fazer agora, seria desfeito. Estamos num momento turbulento, porque a transição não começou. Uma vez iniciada, acredito que não haverá espaço para este tipo de proposta”.
O Conselho Universitário deve decidir na próxima quinta-feira (17) sobre a construção de um novo espaço cultural no campus da Praia Vermelha. A sessão do dia 10, interrompida várias vezes por protestos dos estudantes, contrários ao projeto, foi encerrada pelo esgotamento do prazo regimental. Ao final, a reitora Denise Pires de Carvalho já pediu aos conselheiros para reservar a data da próxima semana para o Consuni.
O projeto da reitoria prevê devolver à sociedade uma casa de shows e cultura em área próxima ao antigo Canecão. O prédio, em ruínas, será demolido e, em seu lugar, haverá uma praça pública. Na foto, o professor João Torres, presidente da AdUFRJ, fez a defesa do debate democrático e condenou o abandono do antigo Canecão.
FAVORÁVEL Pela Comissão de Desenvolvimento do Conselho Universitário, o decano Walter Suemitsu leu parecer aprovando a propostaA decisão da UFRJ sobre um novo equipamento cultural no campus da Praia Vermelha foi adiada. Após duas horas de acalorada discussão, sete conselheiros pediram vistas do processo em que a universidade concede parte da área para exploração da iniciativa privada, pelo prazo de 30 anos. Os pedidos interromperam o debate, que deverá voltar à pauta na sessão marcada para o dia 10.
A reitora Denise Pires de Carvalho defendeu que a universidade saia da inércia de mais de uma década em relação ao terreno do Canecão. “A democracia depende de discussão seguida de deliberação. Não é uma discussão eterna”, afirmou. “Este projeto, que retira aquela área do abandono, vem sendo estudado pela comunidade acadêmica desde a gestão passada. Considero um projeto de futuro, de Estado, que pretende melhorar as instalações da nossa universidade”, completou.
A dirigente disse que há transparência e amplo debate sobre a iniciativa. “Nós fizemos mudanças importantes na concepção original do projeto. Trouxemos o projeto no dia 25 de agosto ao Consuni e abrimos o debate em todos os centros. Falta só Centro de Letras Artes, esta semana. Também está no Youtube. Apresentamos há dois meses no CFCH e no CCJE. E haverá uma audiência pública no dia 16 de novembro”, contou.
A proposta da atual reitoria, detalhada na edição nº 1.242 do Jornal da AdUFRJ, é demolir o antigo Canecão e construir um espaço sofisticado, que atenda aos interesses da universidade e do mercado cultural carioca. A nova casa de espetáculos deve ser construída no Campinho, apelido do campo de futebol administrado pela Escola de Educação Física. Já a área onde hoje fica o que sobrou do Canecão deve ser aberta ao público, com a criação de uma praça e a demolição dos muros que cercam aquele trecho do campus. Quem adquirir o direito de gerir o espaço multiuso deverá investir na construção de um bandejão, com capacidade para 2,5 mil refeições por dia, e um prédio com até 80 salas de aula.PAINEL DO ZIRALDO Proposta é expor em praça pública a obra “Santa Ceia” pintada pelo cartunista
Mesmo sem deliberação, um degrau foi escalado. Pela Comissão de Desenvolvimento do Consuni, o decano do Centro de Tecnologia, Walter Suemitsu, leu parecer favorável à concessão da área. O orçamento dos investimentos no espaço cultural foi estimado em R$ 84 milhões, executado ao longo de 18 meses. Já o custo das contrapartidas seria de R$ 53,6 milhões. O documento prevê, ainda, a criação de um Comitê de Governança, composto por representantes da UFRJ, da empresa concessionária. O grupo ficaria responsável pela gestão do equipamento cultural e da área do entorno.
CRÍTICAS
Vice-diretor da Escola de Educação Física e Desportos, o professor Alexandre Palma expôs a insatisfação da unidade com a proposição. “A área não está abandonada. Se faltam recursos para investimento, é possível dizer que toda a UFRJ está abandonada e isso não é uma crítica à reitoria”, afirmou. “Dizer que há debate, sem a devida escuta, não parece democrático”. O dirigente acrescentou que existe uma petição contrária à instalação do equipamento cultural com mais de mil assinaturas.
A estudante Luiza Arruda cobrou mais tempo para o debate na comunidade acadêmica, antes de uma decisão do colegiado. “A gente representa pessoas. Para a gente conseguir representar essas pessoas e justificar nossas posições, precisamos de tempo para falar com elas”, disse. “A forma como este conselho é convocado é, no mínimo, absurda”, completou.
Daniel Senna, da Associação dos Pós-graduandos, observou que a eleição de Lula cria uma nova perspectiva para discussão do equipamento cultural. “Entendemos que este projeto é diferente do ‘Viva UFRJ’, mas, a partir do momento em que se abre uma nova conjuntura, precisamos repensar o que vamos fazer nos próximos quatro anos”.
Já o diretor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, professor Guilherme Lassance, fez um apelo à convergência. “Queria me associar às demandas de dilatação do prazo para que as conversas possam acontecer. Não só conversa entre contrários, mas para estabelecer um processo participativo de construção e concepção desse futuro possível para a Praia Vermelha”, disse. “Tenho para mim que aquela área não é abandonada, mas ela tem, do ponto de vista do urbanismo, um drama: o muro. Um muro que separa o campus da cidade, um muro que acompanha uma calçada inerte, sem vida. Esses componentes têm que ser revistos”.
Depois da sessão, o vice-reitor Carlos Frederico Leão Rocha observou à reportagem que a UFRJ tem uma dívida com a cidade, desde a retomada do Canecão em 2010. “Aquele espaço cultural era relevante. Devolver precisa ser um compromisso da universidade. Temos um projeto bom, que abre a UFRJ para a sociedade”, afirmou.
O dirigente também rebateu os argumentos de falta de debate. “Conversei com a área cultural, conversei com a Escola de Educação Física, com vários estudantes. Não é verdade que não houve esse diálogo. Não quer dizer que estejam todos contemplados, mas nós escutamos”.