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O congresso de Fortaleza evidenciou um racha entre os grupos que controlam o Andes, reunidos no coletivo Andes de Luta e pela Base (ALB) — comandado por correntes do PSOL e do PCB. Os indícios do antagonismo surgiram antes mesmo da edição do caderno de textos que subsidia as discussões do encontro. A diretoria assinou um documento, mas integrantes de outras correntes que compõem o coletivo, e que estão fora da diretoria, ratificaram outro texto de conjuntura. Os desdobramentos dessa fissura repercutiram na plenária que aprovou a greve. O ALB votou dividido. Parte desejava greve ao longo de 2024 e outra defendia a greve já.

Mais de 60 mil professores do magistério superior são filiados ao Andes. O gigantismo da instituição, que completa 43 anos em 2024, torna mais complexo o jogo político que rege as disputas pelo sindicato nacional. Se a atual diretoria é composta majoritariamente por docentes com militância política, o principal grupo de oposição se organiza no coletivo Renova Andes, formado por professores de diferentes correntes políticas — como setores do PT, PSOL, PCdoB e PDT— e mesmo sem militância ou filiação político-partidária. Desde 2018, o grupo vem ganhando mais espaço nas discussões congressuais e nas eleições do sindicato nacional.

O Renova também se dividiu na votação sobre a greve. Como não era possível defender outros caminhos de mobilização, porque a greve tinha sido aprovada por maioria em todos os grupos prévios de discussão, a maior parte do grupo votou pela construção mais responsável de uma greve ao longo de 2024. O restante se absteve da votação por não concordar com o método de discussão que deixou de fora o contraditório.

O sindicato é disputado, ainda, por uma oposição minoritária, subdividida em quatro grupos que se identificam mais à esquerda da diretoria nacional. Há setores do PSTU, independentes, os que querem fazer uma oposição ao Andes a partir da CSP Conlutas — central sindical da qual o Andes se desfiliou no ano passado, depois de uma série de erros políticos — e o Rosa Luxemburgo, que, entre as quatro tendências, é a que tem mais poder de organização e convencimento. Foi do Rosa, por exemplo, a articulação da proposta de “greve já”, que venceu a posição da diretoria nacional.

 

GREVE JÁ?

Para o professor Luis Antonio Pasquetti, da UnB, uma das lideranças do Renova Andes, o movimento de greve é uma construção importante para responder ao reajuste zero. “É inaceitável que os professores recebam essa proposta, mas há uma inabilidade da diretoria nacional em negociar com o governo”, avalia. “É necessário uma grande movimentação para fazer uma aliança com outras organizações que defendem a educação pública, mas é preciso ter os pés na realidade”, ressalva. “Nossa categoria está desmobilizada sobre esse tema. Sequer houve uma unanimidade sobre a proposta da ‘greve já’. Foram apenas 20 votos de diferença”, sublinhou. “Por isso, precisamos consultar nossas bases para tomarmos uma decisão mais qualificada, refletida, serena e responsável em relação à conjuntura geral”.

Presidente do Andes, o professor Gustavo Seferian, da UFMG, reconhece que as defesas em torno da “greve já” constituíram um elemento surpresa para a discussão, mas descarta que o resultado da votação tenha evidenciado uma derrota da diretoria nacional, que apontava para a construção da greve em prazo maior. “Não considero que foi uma derrota nossa, mas uma vitória de toda a categoria. As propostas são vivas e vão sofrendo intervenções a partir dos nossos acúmulos. Nenhuma das intervenções realizadas defendeu contra a greve. A diferença era apenas a temporalidade e as nuances sobre a forma de construção do movimento”, diz. “Então, nesse sentido, a greve foi unânime”.

“É claro que não temos que aceitar zero de aumento. Acredito na necessidade de uma luta muito acirrada, muito forte, dos professores”, afirma a professora Eleonora Ziller, delegada da AdUFRJ e liderança do Renova Andes. “Mas estamos no pós-pandemia, lutando para recuperar uma vida presencial que está esfacelada”, analisa. “Infelizmente, a condução do Andes não favorece. Há disputas insanas aqui colocadas e dá a impressão de que o que interessa é a greve, seja ela qual for. E isso é muito ruim, porque não politiza o debate”, critica a professora. “O importante é saber o que queremos, onde queremos chegar e ter uma pauta realista”.

 

WhatsApp Image 2024 02 29 at 15.00.49Aline Caleiras é mãe João, de 8 anos. Ao lado, Bárbara, de 6A ADUFC organizou o Espaço Infantil, de acolhimento a filhas e filhos de docentes que participam do 42º Congresso do Andes. Nesta edição, são atendidas 11 crianças cadastradas previamente pelos participantes. “Temos desde um bebê de oito meses a crianças de 12 anos”, destaca a professora Eunice Menezes, uma das coordenadoras do espaço. “Nosso foco é acolher e garantir o bem-estar das crianças”.

Além de Eunice, participam da coordenação do espaço a professora Iany Bessa e o brinquedista Pedro Rodrigues, que é aluno da UFC e atua na brinquedoteca da universidade. Na programação, pintura, música, literaturas de etnias diversas, principalmente negra e indígena, e muito contato com a natureza. “Eles recebem um ‘kit explorador’ e missões para interação com a natureza”, revela a professora Eunice.

As atividades incluem duas mini excursões pelo campus da Universidade Federal do Ceará: a visita a um espaço de estudo de répteis e ao Museu da Infância e do Brinquedo. “É importante que as crianças participem das experiências. Os pais têm liberdade para entrar e interagir com as crianças sempre que quiserem”, reforça a professora Iany.

CONFIANÇA
A professora Aline Caldeira, da delegação da AdUFRJ, é mãe de João, de oito anos. Para ela, a existência do Espaço Infantil é um importante WhatsApp Image 2024 02 29 at 15.00.491Claudio é pai de Leon, de 4 anosmeio de proporcionar bem-estar aos pequenos e garantir a participação dos adultos no congresso. “Eu tenho ficado bem tranquila. Percebo que ele está se desenvolvendo, está fazendo amizade, está feliz. Inclusive, ficando longe das telas, faz passeios pela universidade”, relata. “O espaço é fundamental para a nossa participação nos espaços de discussão. Espero que seja uma iniciativa que se desenvolva mais, que se estruture mais, para que outras mães possam participar na condição de delegadas. Conciliar a dinâmica do congresso com a maternidade é um desafio”.

A AdUFRJ paga passagem e hospedagem dos filhos de docentes de sua delegação.

Pai de Leon, de quatro anos, o professor Claudio Anselmo Mendonça, da delegação da Apruma, é só elogios. “É um grande avanço poder contar com a garantia de um espaço que possibilita a nossos filhos terem um tratamento de qualidade, com abordagem pedagógica”, destaca. A confiança é outro fator fundamental que repercute na participação dos congressistas. “Para nós é uma tranquilidade, porque sabemos que nossas crianças terão todo cuidado, carinho, atenção e amor necessários ao seu desenvolvimento. Com certeza é um acalento ao coração saber que você está tocando as demandas da categoria e seu filho está em sua dimensão infantil brincando, se divertindo”.

"Do Café, guardo as melhores memórias possíveis. Nós nos conhecemos há quase 47 anos. Trabalhávamos juntos no antigo WhatsApp Image 2024 02 23 at 14.45.38Serviço Nacional de Teatro. Demorou em torno de 11 anos, desde que nos conhecemos, para que ficássemos juntos, mas sempre fomos parceiros no trabalho. Café era muito culto e aprendi demais com ele, mesmo nunca tendo sido sua aluna. Nosso setor era de pesquisa sobre dramaturgia brasileira, principalmente do século XIX. Muitos textos eram dados como perdidos, outros sofreram transformações. Era um trabalho bem intenso de pesquisa. Comparávamos diversas edições, alterações de textos. Foi um período extraordinário. Trabalhava conosco Fátima Saadi, grande parceira e amiga também.

Um dia, Café me perguntou se eu conhecia a Ilíada. Eu disse que não, porque não me sentia madura para um texto tão complexo. Eu era muito nova. Ele me perguntou, então, quem tinha colocado aquilo na minha cabeça e no dia seguinte me trouxe um exemplar e o leu todo comigo. Seguimos assim em outros grandes clássicos, heranças fundamentais da Literatura, do teatro, da poesia. Nós íamos ao cinema e ao teatro, jantávamos em seguida e discutíamos sobre o que tínhamos visto. Foram tantas as vezes que fomos expulsos de restaurantes, porque nos estendíamos bebendo vinho, lendo, conversando, trocando impressões, textos, poesias. Pensar nesses momentos me traz uma grande coleção de belíssimas lembranças.

Vivemos juntos desde 1988. O convívio, de quase 36 anos, foi muito especial. Café era um homem singular e apaixonado. E eu também muito apaixonada. Eu fui mimada demais. Todas as terças-feiras ele me trazia flores, durante muitos anos. Nossa diferença de idade era de 27 anos, mas o Café foi jovem bem prolongadamente. Ele tinha um humor extraordinário!

Outra marca forte era a sua simpatia. O riso sedutor, carismático, atencioso; sobretudo, muito cortês. E um homem preocupado com a família. Tivemos um filho juntos. Eu tinha já uma filha e ele duas, dos nossos casamentos anteriores. Minha filha o considera um segundo pai. Ela escreveu uma coisa muito linda: há espaço para ter dois pais no coração.

O Café era uma pessoa rara sob qualquer aspecto. Absolutamente singular. Ele me provocava muito a pensar por mim mesma. Fez parte da minha formação. Não havia uma relação hierárquica. Ele operava numa postura provocadora, mas muito horizontal. Foi uma pessoa decisiva para mim. Abriu espaço para o pensamento e para o meu inconformismo intelectual. Ele tinha muita paciência e eu tinha muita escuta. Nós tínhamos, aliás, muita escuta um para com o outro na vida. E eu não falo de casamento perfeito, mas de casamento feliz. Tínhamos um exercício de encontro, de inquietação e de paixão.

Com a universidade, era uma relação de amor. Ele gostava de mim, dos filhos, dos amigos e da UFRJ. Foi um permanente militante pela melhoria das condições de trabalho dos professores e um dos fundadores da AdUFRJ. Era muito respeitado e dedicado à contribuição acadêmica. Quando diretor da Faculdade de Letras, fundou uma especialização em teatro e depois o curso de Direção Teatral, alocado na Escola de Comunicação. Era um homem de iniciativas, de se entusiasmar e de levar ideias adiante. Realizou um congresso internacional na Letras que reuniu três mil pessoas do mundo todo. Foi uma gestão bastante bem-sucedida, considerando, inclusive, as contradições e entusiasmos do período de Redemocratização. Havia uma capacidade extraordinária de ouvir as contribuições, uma escuta de encorajamento. A sala dele sempre estava aberta.

Mas na universidade ele também teve muitos dissabores. Ele tinha enorme capacidade de aglutinação, mas também facilidade de encontrar oponentes. Mas não havia hostilidades. Era política sem picuinha. Havia respeito. Café ocupava um elevado lugar civilizatório. Nós vimos, recentemente, o que aconteceu na política do país. O ódio perdeu o pudor. Ele deixa também essa lição contra a política do ódio e ataques mesquinhos. Viveu a política com elegância.

Também na vida política enfrentou situações com muita coragem. Quando era diretor do Conservatório Nacional de Teatro do SNT, atual Escola de Teatro da Unirio, durante a passeata do Edson Luís, algum estudante jogou algum tipo de líquido da janela. Ele imediatamente mandou fechar todos os registros de água. Quando a polícia chegou, ele disse que era impossível aquilo ter acontecido, porque a escola estava sem uma gota. Ele era assim, de raciocínio muito rápido.

WhatsApp Image 2024 02 23 at 14.45.38 1Um momento terrível aconteceu no fim da década de 1950. Ele estava em São Paulo imprimindo folhetos do Partido Comunista Brasileiro. A polícia chegou. Ele conseguiu se esconder dentro da caixa d’água, onde permaneceu por longo tempo. Colocava algumas vezes o nariz para fora, para respirar, e voltava para debaixo d’água. Havia outros companheiros na casa. Ele ouviu tiros. Os companheiros foram assassinados ou levados. Horas depois, ele saiu caminhando pela linha do trem, completamente molhado, trajando só uma bermuda. Era só o que ele tinha naquele momento.

Outro fato, este do qual ele se orgulhava muito, foi ter ido a Cuba no primeiro ano da Revolução participar da campanha deWhatsApp Image 2024 02 23 at 18.19.29 alfabetização. Havia muitas crianças e adultos analfabetos, muita gente. De lá trouxe uma bandeira onde se lia “Territorio libre de analfabetismo”. Muitos anos depois, já diretor da Letras, ele recebeu uma autoridade do Ministério da Educação de Cuba que tinha sido uma das crianças (os “hijos de Fidel”) acolhidas em quarteis esvaziados dessa função e destinados a abrigos. Ele viu a bandeira num evento realizado lá na Letras para uma conversa ampla e ficou muito emocionado. Li poemas de Nicolás Guillen.

WhatsApp Image 2024 02 23 at 14.45.37Carmem exibe seu 'cafezeiro', presente oferecido pelos alunos de Direção Teatral, por ocasião do aniversário de dez anos do cursoDe vez em quando eu choro, mas procuro me manter em paz. Há lembranças tão vívidas de uma vida tão plena e rica, que me consolam. Ele estava sofrendo demais. Não merecia viver uma vida limitada. Ele já não conseguia mais ler, porque o tremor essencial atingiu a visão. Mas eu tinha como hábito ler para ele em voz alta desde os tempos de pesquisa. Foi realmente um hábito que nos acompanhou ao longo dos anos. Há poucos meses, nós relemos Os sertões, Grande Sertão Veredas, quase todos os romances de Machado de Assis, João Cabral de Melo Neto, Mário de Andrade e vários outros. Ele ficou muito feliz! Pausava a leitura, pontuava questões, discutia. Uma mente completamente produtiva. O tempo inteiro atuante. Ele tinha muita vitalidade, desejo de vida, amor pela vida no sentido mais pleno. Foi uma vida linda. Eu acho que sou uma privilegiada."

Carmem Gadelha
Professora Titular da Escola de Comunicação da UFRJ e companheira de vida (Em entrevista ao Jornal da AdUFRJ)

 

 

“A firmeza nos propósitos políticos do Café — como a defesa intransigente do ensino público, gratuito e de qualidade — convivia com um extremo humanismo e generosidade que desconcertavam os defensores de outro modelito de sociedade. Certa vez, um grupo que pensava radicalmente diferente das opiniões do Café veio tomar satisfações do então diretor da Faculdade de Letras. Entraram no gabinete sem pedir licença, pareciam ter uma faca entre os dentes, com cara de poucos amigos. Eu era assessor do Café e estava na sala. Café pediu que sentassem à mesa e, acendendo um dos seus clássicos charutos, tomou a palavra com um sorriso maroto: sejam bem-vindos, meus queridos amigos reacionários e privatistas! Em que posso lhes ajudar? A resposta veio de um dos invasores: Pois, professor Cafeteira, estamos aqui...Cafezeiro, corrigiu um dos seus amigos. Nessa hora Café deu uma gargalhada e consolou o autor do equívoco. Tudo bem, companheiro. Um outro derramou o cafezinho pelando nas pernas e deu um gritinho. Café deu de novo uma gargalhada, como sempre. O grupo também riu alto e parecia então desorientado e embaraçado. Acho que esqueceram o que tinham vindo fazer ali. Café deu alguns esclarecimentos sobre a esperança de ver uma sociedade brasileira mais justa e democrática, todos faziam que sim com a cabeça. Mudavam de opinião assim facilmente? As baforadas do charuto encobriam caras desfiguradas, me lembrei da cara do personagem no quadro Grito, do Munch. Logo perguntavam sobre as pesquisas do professor Cafezeiro, examinaram a lista enorme dos versos de Camões tronando sobre a mesa, um das pesquisas do Café da época, um disse que sabia ser ele um dos grandes especialistas brasileiros em teatro, outro, o mais tímido, fez a pergunta clássica sobre como saber o que é certo e o que é errado em Língua Portuguesa, Café gargalhou, sonoro, o ambiente era de confraternização. A sala evocava uma reunião de velhos amigos. Os abraços e tapinhas nas costas se seguiram acarinhados por risos e adjetivos elogiosos. Assim era Edwaldo Cafezeiro. Conquistava todo mundo sem jamais perder a atitude ética, a fraternidade e a alegria. Deixa muitas saudades.”

Godofredo de Oliveira Neto
Professor Titular da Faculdade de Letras da UFRJ

Uma das atividades do primeiro dia de congresso foi a instalação da Comissão de Enfrentamento ao Assédio. A comissão é composta por cinco docentes da diretoria nacional do Andes e da diretoria da seção sindical anfitriã do encontro, a ADUFC. A aposta é que a criação de um grupo específico para receber demandas de assédio possa contribuir para coibir as agressões, além de punir eventuais agressores. “A comissão tem papel de acolhimento da vítima, de enfrentamento ao assédio, mas também é um espaço pedagógico”, ressalta a professora Maria Inês Escobar, diretora da ADUFC. “É importante que essa comissão exista para dizer que o assédio acontece muitas vezes entre nós. É um processo brutal, cujas vítimas são, majoritariamente, mulheres”.

Para a professora Sônia Pereira, também diretora da ADUFC, instalar a comissão é um importante passo institucional, mas ela precisa avançar. “Nosso papel é inibir e coibir ações discriminatórias. É um trabalho que precisa de continuidade, que deve ser fortalecido”.

HISTÓRICO

Criada pela primeira vez em 2018, no 37º Congresso do Andes, a Comissão de Enfrentamento ao Assédio foi uma resposta a um forte protesto de mulheres que denunciaram situações de assédio moral e sexual durante o congresso anterior, realizado em 2017, em Cuiabá. Na ocasião, elas leram um manifesto em que citavam diversos casos, e indicaram a constituição de uma comissão extraoficial de mulheres para apurar as denúncias. Não foram indicadas, no entanto, sanções aos acusados, que também não foram identificados.

luiz werneck vianna 1“Aluno de Ciências Sociais no IFCS, entre 1964 e 1967, Luiz Werneck Vianna nos ensinou a grandeza e o sentido deste curso do qual tenho a honra de ser professora. Seu pensamento, de natureza holística na consideração dos fenômenos sociais, indissociáveis nas suas dimensões antropológica, sociológica e política, mas, sobretudo histórica, nos alerta para o risco de interpretações compartimentadas, especializadas e alienantes, posto que resultam em reflexões anódinas e inodoras sobre uma pequena parte, enquanto o todo, confuso e doloroso, segue rejeitado. Este todo é o Brasil e Werneck nos ensinou a pensá-lo.

Nos idos de 2008, ensinou uma menina de 20 poucos anos a ler em uma semana 1.000 páginas de Oliveira Vianna, Tavares Bastos, Alberto Torres, Francisco Campos entre outros. Me ensinou a esperar suas pausas, seus silêncios. Me ensinou que os grandes autores são grandes por alguma razão e que precisamos ter a humildade de lê-los e mergulhar em seus textos.

Como intelectual público e professor, Werneck nos ensinou que toda reflexão é engajada. Fez isso de maneira arriscada. Diante da hegemonia de leituras acerca de nossa sociabilidade insociável e deletéria, Werneck dobra a aposta sobre a sociedade civil. E, em um contexto marcado pelo autoritarismo, defende na USP, na década de 1970, uma tese de doutorado intitulada Liberalismo e Sindicato no Brasil, apontando um caminho que muitos anos depois faria todo sentido para mim: o sindicalismo.

A despeito dessa incursão na academia paulista, ao meu ver, o pensamento de Werneck estabelece nossa marca, enquanto intelectuais cariocas. Aqui, nesse balneário de burocratas e funcionários públicos, onde o mercado e o liberalismo são ficções nebulosas, americanismo e iberismo, via prussiana e revolução passiva tornam-se ainda mais prementes como chaves de leitura.

Atuando no antigo Iuperj e na Escola de Magistratura do Rio de Janeiro, Werneck organizou nessas chaves o pensamento de gerações de sociólogos, antropólogos, cientistas políticos e operadores do Direito.”

Mayra Goulart
Cientista política e presidenta da AdUFRJ, foi aluna de Werneck

 

“Amigos e amigas, perdemos, hoje, um gigante: Luiz Jorge Werneck Vianna, aos 84 anos. Uma vida inteira dedicada a pensar o Brasil e a mudar esse22588SK1527444562G país tão desigual e violento. Foi ele que me recebeu no Partido Comunista Brasileiro nos anos 1970, na clandestinidade. Foi ele quem me ensinou a analisar a conjuntura, distinguir tática e estratégia, reler Marx e Gramsci com os olhos postos no presente, sem dogmatismos. Sua coragem, sua independência, seu espírito crítico, sua devoção à causa coletiva — sonhando um socialismo renovado, aberto e brasileiro — foram e são exemplos para minha geração e as seguintes. Em tudo que fazia punha toda a sua paixão. Era lucidez, inteligência, compromisso e paixão. Um erudito discreto, mas transgressor, uma usina exuberante de afeto e generosidade, às vezes disfarçada pela aspereza dos rompantes. Não conheço ninguém mais ético no desempenho de sua função acadêmica, ninguém mais avesso a cálculos carreiristas e a acomodações pusilânimes, ninguém mais íntegro.

Tive o privilégio extraordinário de ser seu aluno, amigo e companheiro, e de aprender com ele, mesmo quando divergíamos. Nos últimos tempos, quando problemas de saúde o limitavam, ele se mantinha otimista, absolutamente confiante num futuro radicalmente democrático e socialista, apesar de tudo. Werneck parte, nos deixa desolados e muito mais pobres, mas, como talvez dissesse: parte cheio de esperança no trabalho da história.
Todas as homenagens que prestemos à sua memória serão insuficientes para retribuir o que lhe devemos. Ele nos deixa como herança, à qual temos o dever de não renunciar, sua comovente fé laica nas classes populares e no potencial criador da política, aliada ao pensamento crítico. Querido Werneck, o enorme contingente de seus alunos, colegas, camaradas e amigos, enquanto tivermos força, estaremos na luta e, de pé, ouvindo seu nome, diremos, juntos: presente!”

Luiz Eduardo Soares
Antropólogo e cientista político

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