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Fotos: arquivo pessoalUma das maiores referências em paleontologia do Brasil, o professor titular do Instituto de Geociências, Ismar de Souza Carvalho, concorre ao prêmio Faz Diferença, do jornal O Globo. Ele é um dos finalistas da categoria Ciência e Saúde. A votação esteve aberta no site do jornal até o domingo, dia 27. Ismar também é diretor da Casa da Ciência da UFRJ e conhecido por descobrir, na Chapada do Araripe, a ave fóssil mais antiga do Brasil, com cerca de 115 milhões de anos. Em novembro do ano passado, foi coautor de um artigo publicado na capa da prestigiada revista Nature com outra descoberta. O estudo descreve uma nova espécie de ave, a Navaornis hestiae, que viveu há 80 milhões de anos.
Ismar Carvalho atendeu a reportagem do Jornal da AdUFRJ diretamente da cidade de Torotoro, na Bolívia, durante uma expedição para encontrar os últimos dinossauros que habitaram a Terra. “Estamos seguindo os rastros deles, tentando descobrir onde estão (seus fósseis)”, disse o empolgado cientista. “Tenho 63 anos e fazia tempo que não acampava em altitude e no frio. Passamos dias nessa região andina”, revelou o professor.
O hoje pesquisador 1A do CNPq e Cientista do Nosso Estado da Faperj nasceu em 4 de abril de 1962. Diferente de muitos cientistas de sua geração, Ismar não teve um pesquisador na família em quem pudesse se inspirar. De origem humilde, se formou em escola pública, na cidade de Resende, sua terra natal. A educação, afirma, mudou sua vida. “Era uma cidade essencialmente agrícola. Ou trabalhávamos na lavoura e no comércio ou éramos militares”, conta o professor.
Realidade que o pequeno Ismar driblava com seu apetite pelo conhecimento. “Eu aprendi a ler desde muito cedo. Com cinco anos já escrevia e fazia contas. Para mim, os livros sempre foram janelas para o mundo”, relembra. “As pessoas, sabendo disso, sempre me presenteavam com livros, revistas e enciclopédias”.
O gosto pelo conhecimento e a preocupação com o futuro foram os grandes legados de seus pais, acredita o professor. Sua mãe, dona Zélia Nunes de Carvalho, e seu pai, Ismael Carvalho, hoje com 84 e 89 anos, tinham convicção de que a educação seria a grande herança que poderiam deixar para os filhos. “Tanto eu quanto minha irmã alcançamos os estudos universitários. Quando pequeno, meu pai me deu um quadro negro em que estava escrito: ‘O estudo é a luz da vida’. Nunca esqueci aquela frase”, emociona-se. “Ter o estudo como ponto fundamental na minha trajetória me fez ter escolhas muito acertadas. Uma delas, a de me tornar professor”, analisa o docente. “É uma profissão que me permite transformar a realidade”, orgulha-se.
O interesse pelos dinossauros nasceu ainda durante a infância. “Lembro que ganhei um livro sobre rochas e fósseis quando tinha mais ou menos oito anos de idade”, conta o docente. “O livro dizia que os fósseis poderiam estar em encostas e margens de rios, em rochas sedimentares. A região onde eu morava tinha essa formação, então sempre caminhava olhando para baixo, na esperança de encontrar algum”, lembra. “Posso dizer que meu desejo de ser um paleontólogo começou na infância, a partir dos livros e dos recortes de jornal que eu colecionava”.
Na juventude, Ismar iniciou a graduação em Geologia na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, mas se formou pela Universidade de Coimbra, em 1984. “Fui a Coimbra num esforço financeiro gigantesco do meu pai, da minha mãe e meu. Foram anos muito duros, mas foi um momento também muito rico pelas amizades que ficaram e pelas parcerias estabelecidas”, conta. “São relações que não se desfizeram e que hoje dão muitos frutos em parcerias de pesquisa entre UFRJ, Coimbra, Aveiro, Porto”, revela o professor, que é Pesquisador Associado no Centro de Geociências da Universidade de Coimbra.
Ainda na década de 1980, Ismar retornou ao Brasil onde cursou, na UFRJ, o mestrado e o doutorado. “Fiz concurso em 1988 e fui contratado em 1989. Desde então sou professor em dedicação exclusiva”. Hoje titular, o docente dá aulas para os cursos de graduação de Geologia e Geografia, além de lecionar na pós-graduação de Geologia, Geografia e Biologia Evolutiva. “Posso dizer que meus alunos são a razão dessa indicação ao prêmio e a quem dedico minhas pesquisas. De certa maneira, devo isso a eles. Se não tivesse tantos alunos tão estimulados, que me instigassem a pesquisar mais, não teria chegado até aqui”.
O fascínio pela paleontologia não foi herdado pelos filhos Mateus e Julia. “Quando eles eram crianças eu tentei estimulá-los para a área, mas acho que estimulei demais”, brinca. O filho é economista. A filha, médica. “Foram para áreas completamente diferentes. O importante é que escolheram o caminho do conhecimento e são felizes. Fizeram o que queriam e estão realizados”, elogia.Além do amor pela família e pelo conhecimento, Ismar Carvalho tem outra paixão: o futebol. Desde criança torce pelo time do Resende. Já depois de adulto passou a ter um segundo time do coração, o Sousa Esporte Clube, da Paraíba. O mascote da equipe é um dinossauro verde. “É o time oficial de todo paleontólogo”, diverte-se o docente. “Na final do campeonato paraibano deste ano fomos nós, um grupo de paleontólogos, torcer pelo Sousa, que foi campeão”, comemora.
Orgulho para a UFRJ
Entre os colegas de instituto, o professor é unanimidade. “Eu conheço o Ismar há muitos anos. Foi contemporâneo meu na Rural. Eu concluí o curso de Geologia lá e ele seguiu para Coimbra. Depois, nos reencontramos na UFRJ, já como professores”, relembra Edson Farias Mello, diretor do Instituto de Geociências. “Ele é um pesquisador brilhante! Alguém apaixonado que traz aos alunos conhecimentos de ponta”, elogia o docente. “Muitos trabalham porque ganham muito, outros porque têm desejo de galgar posições. Ele trabalha porque ama”, resume.
O professor Edson Mello conta que a Casa da Pedra, mantida pelo IGEO na região de Santana do Cariri, no Ceará, foi iniciativa do professor Ismar Carvalho. “É um projeto científico e, mais do que isso, é um projeto inclusivo, que resgata o orgulho da população local por sua cultura”, destaca. “Quando Ismar trouxe a ideia de deixar à mostra os cascalhos de pedra que formam a casa, trouxe junto a valorização da cultura da região”, revela. “Os moradores também utilizavam as rochas na formação de suas casas, mas as cobriam. O projeto transformou a estética das casas dos moradores. Ninguém mais queria esconder as pedras”, conta. “É um colega por quem tenho muita admiração”.
“Para mim, não há a menor dúvida de que o professor Ismar deve ser o merecedor do Prêmio Faz Diferença, em Ciência e Saúde. Ele é motivo de orgulho para o nosso CCMN”, afirma o decano do Centro de Ciências Matemáticas e da Natureza, professor Josefino Cabral Lima. “O professor Ismar tem uma retidão de caráter formidável, possui um rigor científico de altíssimo quilate, é expoente mundial em sua área de pesquisa”, elenca o dirigente.
“Para além desse lado profissional, onde ele se destaca brilhantemente, no trato pessoal é um ser humano extremamente afável, um amigo leal e bondoso”, elogia. “Tenho orgulho de tê-lo no quadro do nosso Centro. O professor Ismar Carvalho é realmente motivo de alegria para todos nós”.
O prêmio
O professor Ismar Carvalho conta que já estava em expedição na Bolívia quando o jornal O Globo entrou em contato para informar sobre a premiação. “Achei que era um trote. Fiquei absolutamente surpreso”, recorda-se. “O estudo que eles destacaram não é o meu principal objeto de estudo, mas a novidade, seja ela qual for, é o que me move. Cada vez que encontro um fóssil é como se eu o trouxesse à vida de novo”, conta. “O conhecimento te dá essa possibilidade de trazer novamente à luz a vida que estava escondida há milhões de anos. Tem tudo a ver com aquela frase do quadro que meu pai me deu lá na infância”.
A pesquisa do docente, destacada pelos organizadores da premiação, indica o Brasil como último refúgio dos grandes mamíferos que habitaram o planeta na Era do Gelo. São exemplos a preguiça gigante e o mastodonte. As investigações revelaram fósseis com 3.500 anos, quando o consenso científico apontava que eles teriam sido extintos em massa há aproximadamente 12 mil anos. A descoberta muda a forma de olhar para o passado e pode repercutir em pesquisas aplicadas, por exemplo, nas áreas de geologia, petróleo e gás.
O docente reconhece, no entanto, que os outros finalistas que concorrem na categoria Ciência e Saúde também têm importantes méritos. Além do professor Ismar Carvalho, são finalistas o professor associado de Medicina em Harvard e diretor de Transplante Renal no Massachusetts General Hospital, Leonardo Riella; e professora titular da Faculdade de Medicina na USP, Ludhmila Hajjar. Riella liderou a equipe que fez o primeiro transplante bem sucedido de rim de porco em um ser humano. Hajjar coordenou um documento de enfrentamento às drogas e acolhimento humanizado de usuários, destinado ao STF.
A pesquisa
O estudo destacado pela organização do prêmio tem relação com a quebra de paradigma do tempo geológico, como explica o professor Ismar Carvalho. “As mudanças nas eras geológicas são marcadas por catástrofes ambientais que levaram a grandes eventos de extinção. Quando você lê os estratos geológicos, você tem um retrato instantâneo mas só daquilo que ficou registrado. No entanto, o que mais existe é a falta do registro”, argumenta.
Atrás dessas lacunas, o professor descobriu fósseis no Brasil – Ceará e Mato Grosso do Sul – que não coincidiam com o consenso científico que os grandes mamíferos (também chamados de megafauna) foram extintos em massa na transição da era do Pleistoceno para o Holoceno. Em vez de fósseis com 12 mil anos ou mais, o professor encontrou exemplares com 3.500 anos. O artigo foi publicado em 15 de fevereiro deste ano no Journal of South American Earth Sciences. “O estudo quebra um paradigma e não há coisa melhor para um cientista do que romper paradigmas”, destaca.
“Percebemos que um depósito fossilífero podia acumular fósseis de várias épocas, como se fosse uma armadilha do tempo. O que nosso estudo faz é abrir essa caixa do tempo”, exemplifica o professor. “Nós temos uma lenda indígena na região amazônica de um bicho chamado Mapinguari. Em Alagoas, o bicho mitológico se chama Zamba. A descrição deles é idêntica e muito semelhante a uma preguiça-gigante. Ou seja, são animais que existiram até recentemente, que viveram próximos de nossos antepassados”. Em nenhum outro local do mundo foram encontrados fósseis da megafauna tão jovens.
Os achados mudam a forma de olhar para o passado e para as mudanças de era do planeta. “Desfizemos a noção de que tudo desapareceu ao mesmo tempo. A extinção não é uma linha reta. Essas linhas do tempo transgridem essa leitura parcial que a humanidade faz da própria natureza”, analisa o professor. “O trabalho abre uma perspectiva de natureza teórica, mas também de natureza prática sobre as divisões do tempo geológico. Comprovamos que essa fauna se manteve até 3.500 anos, que sua extinção se deu progressivamente”, afirma.
“Hoje vivemos outro momento de grandes transformações do planeta. Será que serão acompanhadas de grandes eventos de extinção em massa? Ou será que haverá uma mudança progressiva, como observamos nesse trabalho?”, questiona. “Acho que a pesquisa nos ajuda a entender melhor como será nosso futuro e a compreender aonde poderemos chegar”.
A íntegra do artigo pode
ser conferida em:
https://is.gd/KSwdGt .
Assinam o trabalho,
além do professor
Ismar Carvalho,
os pesquisadores
Fábio Henrique
Cortes Faria,
Hermínio Ismael
de Araújo-Júnior,
Celso Lira Ximenes
e Edna Maria Facincani.
A mais antiga e próspera universidade americana não se rendeu ao obscurantismo persecutório de Donald Trump. Ao contrário da Columbia University, Harvard disse não ao homem que, desde o início do mandato, trata a Ciência e a liberdade de cátedra como inimigos preferenciais do governo. Trump usa as armas de sempre — ódio e cortes. Chegou a anunciar uma redução de quase US$ 9 bilhões em subsídios para Harvard, caso a instituição não revisasse práticas de governança. “A Universidade não abrirá mão de sua independência ou de seus direitos constitucionais”, escreveu o reitor Alan Garber, na última segunda-feira. No mesmo dia, um brilhante pesquisador da UFRJ, João Macena Muniz Vieira, publicou artigo na Revista Nature, convocando seus colegas americanos a não se dobrarem. Em duas páginas de texto vibrante, Vieira relembra a saga que enfrentou para seguir pesquisando nos anos de Bolsonaro. “Liberte-se do ciclo de ódio. Enfurecer-se com os escândalos fabricados por figuras como Trump ou Bolsonaro não mudam nada. Você já conhece as intenções deles. Use sua raiva com sabedoria: participe de um protesto por semana, derrame sua fúria e saia. Você não está sozinho. Professores, colegas e pesquisadores estão no mesmo barco. Participe de protestos para compartilhar solidariedade, mas, acima de tudo, lembre-se: seu trabalho já é resistência. Cada experimento, cada linha de código, cada colaboração é um ato de desafio contra aqueles que querem silenciar a ciência”, escreveu no artigo que o Jornal da AdUFRJ tem a honra de reproduzir abaixo, com tradução do próprio pesquisador.
Entre 2019 e 2023, cursei meu doutorado em Genética do Desenvolvimento evolutivo do besouro Tribolium castaneum na Universidade Federal do Rio de Janeiro. Meu laboratório, localizado na região costeira de Macaé, tornou-se dano colateral em uma guerra contra a ciência declarada por Jair Bolsonaro, nosso presidente de 2019 a 2022 — uma guerra que pode parecer familiar para muitos pesquisadores dos EUA agora que seu próprio presidente parece determinado a cortar financiamentos para pesquisa científica.
Após a posse de Bolsonaro em 2019, mais de 5,6 mil bolsas de pesquisa desapareceram sob medidas de austeridade que miravam especialmente o ensino superior e a ciência. Os cortes deixaram milhares de pesquisadores em suspenso, enquanto agências federais como a Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e o CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) tiveram seus orçamentos drasticamente reduzidos. Professores corriam atrás de financiamentos emergenciais, enquanto cientistas racionavam insumos e encaravam a perspectiva de projetos paralisados.
Naquele ano, uma colega brilhante quase perdeu sua carreira quando o governo cortou sua bolsa dias antes do início do projeto. Sem aviso prévio, ela viu sua pesquisa barrada. Desesperada para não perder todo seu doutorado, ela expôs sua situação e o caso comoveu a opinião pública. O apoio surgiu rápido o bastante para impedir que ela desistisse, mas por pouco.
Outros enfrentaram ameaças similares: uma amiga, incapaz de pagar o aluguel sem a bolsa, abandonou o doutorado por um emprego fora da academia. Outro colega, após meses de incerteza, mudou-se para o exterior para continuar pesquisando. Eu também pensei em desistir. Mas já havia mudado de área uma vez — da Física Nuclear para a Biologia do Desenvolvimento — e sabia que não poderia recomeçar outra vez. Nem mesmo sob Bolsonaro.
Resistência Nacional
Os cortes desencadearam protestos em todo o país, liderados por estudantes, professores e sociedades científicas. Cartazes em São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília declaravam: “Conhecimento não é gasto”. Marchando com milhares — mesmo em minha pequena cidade — senti-me parte de uma unidade poderosa.
A pressão surtiu efeito. Em 18 de outubro de 2019, o Ministério da Educação liberou um bilhão de reais para universidades federais — uma concessão rara que entidades como a União Nacional dos Estudantes atribuíram à nossa mobilização. Naquele dia, eu não era só cientista. Era parte de um movimento que havia resistido aos cortes e reafirmado o papel da educação e pesquisa no Brasil. Me senti conectado. Não estava sozinho.
Então, em março de 2020, a pandemia de covid-19 chegou. Em junho, enquanto o governo Bolsonaro continuava a tratar a ciência como atividade elitista, nosso laboratório mudou seu foco: de pesquisa evolutiva para processar testes de covid-19 em parceria com a prefeitura de Macaé. Nossos equipamentos de qPCR, antes usados para mapear expressão gênica em besouros, foram adaptados para diagnósticos em uma campanha que ajudou a manter a taxa de mortalidade de nossa cidade abaixo da média estadual2.
Essa iniciativa crucial significou que eu perdi acesso ao instituto — não apenas porque ele se tornou um laboratório de diagnósticos, mas também devido às rígidas barreiras sanitárias. Meus experimentos foram interrompidos indefinidamente.
Em julho daquele ano, consegui financiamento para um estágio de oito meses no laboratório do biólogo evolutivo Siegfried Roth, na Universidade de Colônia, na Alemanha — uma oportunidade crucial que finalmente me permitiria concluir meu doutorado. A viagem estava originalmente marcada para agosto de 2020, mas foi adiada para fevereiro de 2021, no auge da pandemia.
Naquela altura, eu já havia comprado passagens, alugado um apartamento e passado noites lendo manchetes catastróficas sobre os incessantes ataques de Bolsonaro à ciência — desde chamar o vírus de “gripezinha”, promover a hidroxicloroquina como tratamento (apesar das evidências esmagadoras contra sua eficácia) até os cortes sistemáticos nos orçamentos da ciência e no desmonte das proteções ambientais na Amazônia.
Um dia antes da minha partida, a Alemanha fechou suas fronteiras para viajantes brasileiros, citando o alto número de casos e o surgimento de novas variantes da covid-19. Não pude recuperar os custos. Como a agência de fomento não cobriria este custo extra, o prejuízo financeiro saiu do meu próprio bolso — mais um lembrete brutal da instabilidade da minha situação como pesquisador.
Inovando sob pressão
Preso no limbo, precisei me reinventar outra vez. Troquei o laboratório físico pela Bioinformática, analisando dados em casa enquanto colaborava por Zoom com o grupo de Siegfried na Alemanha, esperando as fronteiras reabrirem. Só consegui viajar no fim de setembro de 2021, e meu estágio oficial acabou se estendendo de outubro daquele ano até abril de 2022. As análises que fiz durante a quarentena se tornaram a base para os experimentos que realizei durante aqueles oito meses em Colônia.
De volta ao Brasil, novos problemas me esperavam. Insumos básicos ficaram presos na alfândega por seis meses, atrasando meus experimentos. Enquanto isso, via trolls na internet — e até alguns parentes — ridicularizarem minha pesquisa como “perda de tempo”, aplaudindo cortes na ciência e defendendo “tratamentos” como a hidroxicloroquina. No meio desse caos, aprendi a navegar na incerteza — uma habilidade que nenhuma agência de fomento ensina ou financia.
Concluir o doutorado foi muito mais do que seguir os protocolos científicos. Foi desafiar meus limites. Aqueles anos se confundem entre obstáculos e crises pessoais, com cada dia testando minha resistência em meio ao turbilhão político. Foi minha esposa quem me levou a buscar ajuda psicológica. Meus orientadores, Rodrigo Nunes da Fonseca e Helena Araújo, mesmo lutando contra a desestruturação das universidades, ainda arranjavam tempo para me orientar sobre editais e oportunidades de treinamento.
O fim do túnel
Em outubro de 2022, Bolsonaro perdeu as eleições. Não aceitando a derrota, alegou fraude e, em 8 de janeiro, seus apoiadores invadiram os prédios do governo em Brasília. A cena era assustadoramente familiar: um ano antes, a mesma tentativa de tomada a força do poder havia acontecido no Capitólio dos EUA, após a derrota de Donald Trump. No Brasil, as instituições seguraram o tranco — o Congresso e o Judiciário impediram o golpe. Em junho de 2023, Bolsonaro foi condenado a oito anos de inelegibilidade. E, em março deste ano, o STF aceitou por unanimidade as denúncias contra ele; até o fim do ano o ex-presidente enfrentará um julgamento criminal.
Enquanto isso, eu seguia meu caminho. Em outubro de 2023, finalmente defendi minha tese. Hoje, sou pesquisador de pós-doutorado no laboratório do Siegfried.
Mas os estragos deixados por anos de ataques à ciência não desaparecem da noite para o dia. O Brasil ainda sente os efeitos: projetos abandonados, mentes brilhantes perdidas para outros países, um atraso que custa caro hoje e no futuro.
Se essa história soa familiar para você, pesquisando enquanto enfrenta o obscurantismo, deixe eu dizer uma coisa: você não está sozinho!
E aqui estão alguns conselhos para você:
Sua pesquisa é sua âncora. Enquanto eu ativamente buscava os fartos motivos para me enfurecer com o último escândalo de Bolsonaro ao invés de ler artigos cruciais para minha formação, meses foram perdidos em raiva desorientada. Retome o foco. Leia aquele estudo que você vem ignorando. Aprimore as técnicas que verdadeiramente te fascinam.
Você não está preso. A academia, as ciências, sobrevivem do movimento. Quando as fronteiras do Brasil me prenderam, os laboratórios da Alemanha permaneceram abertos. Colabore entre os diferentes fusos horários. Compartilhe códigos, protocolos e, principalmente, esperança. Sua expertise transcende geopolítica — use isso a seu favor.
Liberte-se do ciclo de ódio. Enfurecer-se com os escândalos fabricados por figuras como Trump ou Bolsonaro não mudam nada. Você já conhece as intenções deles. Use sua raiva com sabedoria: participe de um protesto por semana, derrame sua fúria e saia.
Você não está sozinho. Professores, colegas e pesquisadores estão no mesmo barco. Participe de protestos para compartilhar solidariedade, mas, acima de tudo, lembre-se: seu trabalho já é resistência. Cada experimento, cada linha de código, cada colaboração é um ato de desafio contra aqueles que querem silenciar a ciência.
Continue.
Conflito de interesse
O autor recebeu financiamento da Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior) e da Faperj (Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro) durante seu doutorado para pesquisas em Genética do Desenvolvimento evolutivo. Atualmente, o autor não recebe mais financiamento dessas agências.
Referências:
Artigo publicado originalmente na revista Nature em 14 de abril de 2025
1. Vieira, J. Dear US researchers: break the outrage addiction. I survived the besieging of science. So can you. Nature (2025) doi:10.1038/d41586-025-00943-1.
2. Feitosa, N. M. et al.Molecular testing and analysis of disease spreading during the emergence of covid-19 in Macaé, the Brazilian National Capital of Oil. Sci
Rep11, 20121 (2021).
Docentes de todo o país têm um compromisso nesta semana: as eleições do Andes. O pleito será realizado nos dias 7 e 8 de maio. Cerca de 17 mil professores são eleitores. Na UFRJ, os professores sindicalizados à AdUFRJ até 7 de fevereiro poderão votar numa das chapas que concorrem à eleição.
Três das quatro chapas que disputam a diretoria do Andes são de oposição ao grupo que domina o sindicato nacional há mais de duas décadas.
A Chapa 1 – Andes pela Base: Diversidade e Lutas é o grupo da situação, que dirige o Sindicato Nacional. A Chapa 2 – Renova Andes, se opõe à diretoria nacional, mas é resultado de um racha. A cisão deu origem também à Chapa 4 – Oposição para Renovar o Andes.
Já a Chapa 3 – Andes-SN Classista e de Luta reúne três grupos minoritários de oposição à direção nacional. Parte de seus apoiadores e candidatos compunha a diretoria do Andes entre 2012 e 2014.
Veja os locais de votação.
Atualização 05/05/25: houve mudanças no horário de funcionamento da urna da FND e na localização da urna da EEFD. A tabela abaixo está atualizada.
Depois de a Pró-reitoria de Pessoal (PR-4) indicar a possibilidade de os professores substitutos ficarem sem receber o reajuste no início de maio, uma força-tarefa dos servidores da pró-reitoria conseguiu garantir o lançamento da recomposição salarial para todas as categorias. Esforço que se estendeu ao longo do último fim de semana. O aviso oficial aconteceu na segunda-feira (14), com a garantia de que nenhum trabalhador deixará de receber o aumento de 9% e pagamento dos valores retroativos a 1º de janeiro.
A iniciativa aconteceu a partir do pleito da AdUFRJ, levado ao Conselho Universitário de 10 de abril. No mesmo dia, à tarde, a diretoria se reuniu com a PR-4 para apresentar a demanda e entender a complexidade da tarefa. O pedido do sindicato foi para que todos os professores substitutos tivessem o reajuste incluído nesta folha de pagamento. A pró-reitoria afirmava que a tarefa não seria possível pelo exíguo tempo para o lançamento manual dos dados, mas desde o primeiro momento se mostrou preocupada com a questão.
Além dos substitutos, as aposentadorias e pensões e servidores de natureza especial também ficariam inicialmente de fora do reajuste na folha de abril. Isto porque os lançamentos precisavam ocorrer manualmente para mais de 700 pessoas, fora as aposentadorias e pensões. Apesar de compreender as dificuldades do curto prazo, a diretoria fez um apelo para que os professores financeiramente mais vulneráveis não fossem afetados.
“Entendemos que somos representantes de toda a categoria na UFRJ, porém, por princípio de justiça distributiva, nos preocupamos particularmente com os mais vulneráveis”, afirma a presidenta da AdUFRJ, professora Mayra Goulart. “O documento entregue à PR-4 reafirma os mesmos princípios constantes na carta que entregamos para a ministra Esther Dweck (veja mais na página 5): nosso compromisso em buscar melhorias para a carreira, com foco em sanar as desigualdades existentes e com atenção aos segmentos menos valorizados”.
A docente elogia a atuação dos servidores da PR-4, pelo empenho e compromisso com todos os colegas. “Sem dúvidas, os profissionais da Pró-reitoria de Pessoal têm grande responsabilidade nessa conquista que é de todos. Eles são os grandes protagonistas dessa força-tarefa que objetivava não deixar ninguém para trás”, observa. “Em nome da diretoria da AdUFRJ, manifesto mais uma vez os nossos sinceros agradecimentos”, celebra Mayra.
Superintendente de Pessoal, Rafael Pereira conta que o sistema “não foi 100%”, devido aos muitos acessos simultâneos concentrados em pouco tempo. Mas o aumento do prazo dado pelo MGI, de um dia, permitiu a conclusão dos trabalhos. “A equipe somente desmobilizou o estado de prontidão após o recálculo da folha, realizado durante a terça-feira (15) para preparar a prévia”, diz. “A reação foi de alívio e satisfação pelo dever cumprido”.
Pró-reitora de Pessoal, Neuza Luzia Pinto também destaca o compromisso dos servidores em dar conta de uma demanda tão extensa, num prazo tão curto. “A equipe conseguiu concluir os lançamentos não porque foi pressionada, mas porque tem extremo compromisso com a universidade e todos os servidores desta casa”, avalia. “Esse episódio demonstrou o empenho, a capacidade, a dedicação, o senso de solidariedade e o espírito público dos nossos servidores”.
Ela explica que quando compreendeu que haveria um problema no lançamento dos pagamentos reajustados, buscou informar a todas as instâncias para que houvesse ciência e também uma possibilidade de resolução. “Ficamos todos muito apreensivos. Nossa equipe sempre faz esses lançamentos manuais, mas normalmente temos entre 10 e 12 dias para concluí-los. Desta vez, o Ministério (da Gestão e Inovação em Serviços Públicos) nos deu apenas quatro dias, contando com o final de semana”, explica.
Neuza conta que houve intenso preparo das equipes nos últimos meses e a recente aquisição de novos computadores contribuiu para que os lançamentos fossem realizados dentro do prazo. “Felizmente, os computadores recém-adquiridos fizeram diferença positiva, pois os que tínhamos até o mês passado não dariam conta”.
(Colaborou Kelvin Melo)
Veja a íntegra do
comunicado da PR-4:
“Como informado pelo MGI, a folha de pagamento será fechada hoje, 14/04/2025.
As equipes da PR-4 envolvidas com o fechamento da folha de pagamento e com a admissão dos novos concursados conseguiram concluir manualmente o lançamento do pagamento com o reajuste, incluindo os valores retroativos a janeiro, dos professores substitutos, do NES, dos novos concursados e também das pensões e aposentadorias.
Os reajustes dos demais servidores estão sendo implementados diretamente pelo MGI.
Assim, todas as categorias, sem exceção, receberão os salários reajustados, inclusive o retroativo a janeiro, na folha de abril, a ser paga até o segundo dia útil de maio.
Esse resultado só foi possível porque as servidoras e os servidores da PR-4, mesmo sem poder receber hora extra, trabalharam durante todo o final de semana, conseguindo concluir os lançamentos nesta segunda-feira.
É importante ressaltar que esse trabalho foi realizado exclusivamente pelo compromisso, responsabilidade e respeito que os servidores da PR-4 têm com os trabalhadores, aposentados e pensionistas da UFRJ.
Parabéns a toda a equipe!”
REAJUSTE NA PRÉVIA DO CONTRACHEQUE
Dados podem ser acessados via SouGov
Desde a última quarta-feira (16), os servidores começaram a visualizar a prévia do contracheque de abril, que será pago para os servidores da UFRJ até o segundo dia útil de maio. Nele já consta o novo valor do vencimento básico, reajustado em 9%, e as diferenças acumuladas desde 1ºde janeiro, represadas pelo atraso na aprovação da Lei Orçamentária Anual de 2025.
Com a sanção da LOA, foram atualizados mais de 9 mil cargos e reposicionados cerca de 800 mil servidores. Os docentes podem acessar as informações e a prévia do contracheque pelo aplicativo ou site SouGov para verificar os valores.