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WhatsApp Image 2025 02 07 at 19.17.12Os ataques que a professora Ligia Bahia (IESC/UFRJ) vem sofrendo por parte do Conselho Federal de Medicina (CFM) suscitaram uma onda de indignação e solidariedade país afora. Em apenas cinco dias, de segunda-feira até o fechamento desta edição, um abaixo-assinado em apoio à médica alcançou quase 15 mil adesões. E entidades como a Fiocruz, a Academia Brasileira de Ciências (ABC) e a SPBC — da qual Ligia Bahia é conselheira — manifestaram esta semana desagravo à docente, uma das mais respeitadas vozes no campo da saúde pública no Brasil.
Em 26 de agosto passado, o CFM ingressou na 19ª Vara Federal Civil de São Paulo com uma ação por danos morais contra Ligia Bahia. A ação se baseia em uma entrevista da professora ao canal do Instituto Conhecimento Liberta (ICL) no Youtube, na qual ela critica posições da direção do Conselho em defesa do uso de cloroquina, contra a vacinação durante a pandemia de covid-19, além do desrespeito à legislação que permite aborto em crianças vítimas de estupro. Os autores pedem que ela seja condenada ao pagamento de indenização de R$ 100 mil, e que “se abstenha de fazer qualquer tipo de publicação nas redes sociais” em relação ao CFM.
Em 15 de outubro, o juiz José Carlos Motta, da 19ª Vara Federal Cível de SP, indeferiu o pedido de tutela antecipada feito pelo CFM sob a argumentação de que “as manifestações da ré Ligia Bahia em sua entrevista devem ser compreendidas como abarcadas pela liberdade de expressão e de crítica política, ainda que contundentes”. O magistrado sustenta ainda que a posição do CFM também foi alvo de críticas em outros veículos de imprensa “seja no que tange à sua tolerância na utilização de tratamentos sem eficácia comprovada durante a pandemia de covid-19, seja no que concerne à recente Resolução CFM nº 2.378/2024, que proibiu aos médicos a interrupção de gravidez nos casos de aborto previstos em lei”.

REDE DE APOIO
Organizada pelo professor Elson Cormack, da Faculdade de Odontologia da UFRJ, a petição de apoio a Ligia Bahia (https://is.gd/sjkXr5) recebeu milhares de adesões em apenas cinco dias na internet. “Eu montei a petição pensando na meta dos 100 professores titulares do grupo do CCS, e me espantei ao ver as pessoas respaldando e endossando o documento. Já estamos chegando a 15 mil adesões. Acho que muita gente, mesmo não sendo da área, percebe o quão ridículo é o CFM processar uma das mais qualificadas profissionais da área de saúde pública do Brasil. Não é só a Ligia Bahia que está sendo atacada, somos todos nós”, sustenta Cormack.
O professor acompanhou a formação do IESC e conhece Ligia Bahia há décadas. “Ela tem um conhecimento vastíssimo na área, e está sendo processada por uma entidade médica que se contrapõe a evidências científicas. Mesmo se eu não conhecesse a professora Ligia Bahia, eu já me sentiria atingido. Acho que muitas pessoas estão se sentindo assim, ao ver o Conselho Federal de Medicina apoiar um tratamento sem fundamento científico, contaminado por questões políticas. É revoltante”, se indigna o professor.
As “questões políticas” apontadas pelo docente são de conhecimento público. A entrevista por Ligia Bahia ocorreu uma semana depois das eleições do CFM, nas quais mais de 60% dos conselheiros se reelegeram, e novos representantes, alinhados à direita, conseguiram vitórias. A eleição mobilizou políticos bolsonaristas em todo o país. O CFM foi um dos principais aliados do governo Bolsonaro na postura negacionista durante a pandemia de covid-19. O Jornal da AdUFRJ encaminhou questionamentos ao CFM, mas não obteve retorno.

SOLIDARIEDADE
Na segunda-feira (3), a SBPC e a ABC divulgaram uma nota conjunta. Ao Jornal da AdUFRJ, o presidente da SBPC, Renato Janine Ribeiro, disse que a declaração simboliza o respeito à Ciência: “Não se trata apenas da liberdade de expressão. Trata-se do compromisso que todos nós temos com a verdade científica. Temos a obrigação de denunciar e criticar a mentira, o curandeirismo, isso exige dos cientistas uma posição muito clara. O cientista tem um compromisso com a verdade, e por isso entendemos que a professora Ligia não pode ser penalizada por defender procedimentos científicos e respeito ao paciente”.
Assinada por Janine e pela presidenta da ABC, Helena Nader, a nota sustenta que as declarações de Ligia “refletem consensos científicos amplamente reconhecidos, tanto no Brasil quanto internacionalmente” e critica a postura do CFM: “Ao buscar puni-la por defender estratégias baseadas em evidências científicas, o CFM se afasta dos princípios básicos da ciência e da liberdade de expressão, que fundamentam a vida acadêmica e as sociedades democráticas”.
A manifestação da SBPC e da ABC foi endossada por 50 associações profissionais e entidades científicas, entre elas as associações brasileiras de Antropologia (ABA), de Centros e Museus de Ciências (ABCMC) e de Enfermagem (ABEn), e as sociedades brasileiras de Física (SBF), Psicologia (SBP), Química (SBQ) e Sociologia (SBS).
WhatsApp Image 2025 02 07 at 19.17.12 1PELA CIÊNCIA Direção da Fiocruz saiu em defesa de Ligia (ao centro)Na quarta-feira (5), o presidente da Fiocruz, Mario Moreira, recebeu Ligia Bahia no Castelo Mourisco, sede da instituição, em Manguinhos, Zona Norte do Rio. No encontro, Moreira entregou a nota de apoio da fundação. “A Fiocruz reafirma a pertinência do posicionamento de Ligia Bahia, sempre baseado em evidências científicas, em consensos amplamente aceitos por seus pares e aplicados com sucesso durante a pandemia de covid-19. Ao reconhecer sua dedicação à saúde pública e à ciência brasileira, a Fundação declara o repúdio à posição do CFM e total solidariedade à professora. Estar ao lado de Ligia Bahia nesse momento representa a defesa contra o avanço de discursos negacionistas e da anti-ciência no Brasil”, diz a nota.
Entre as instituições que também manifestaram repúdio aos ataques do CFM a Ligia Bahia estão o Fórum de Reitores das Instituições Públicas de Ensino do Estado do Rio de Janeiro, a Faculdade de Saúde Pública da Universidade de São Paulo, a Associação Nacional de Pós-Graduandos (ANPG), o Clube de Engenharia e o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST).

CONSUNI, CCS E ADUFRJ MANIFESTAM INDIGNAÇÃO

A UFRJ também saiu em defesa de uma de suas mais proeminentes pesquisadoras. Na quarta-feira (5), o Conselho Universitário (Consuni) divulgou uma moção de desagravo à professora. “Ligia Bahia é professora titular, pesquisadora de produtividade do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e Cientista do Estado da Fundação de Amparo à Pesquisa do Rio de Janeiro. Considerando os compromissos universitários com a ciência, reafirmamos nossa solidariedade a Ligia Bahia, que tal como outros docentes da UFRJ têm uma profícua trajetória profissional em defesa da ciência e melhoria das condições de saúde da população brasileira”, diz a moção.
A decania do Centro de Ciências da Saúde (CCS), ao qual o IESC está ligado, expressou sua solidariedade por meio de nota em que afirma que as opiniões de Ligia se baseiam em consensos científicos “amplamente aceitos por seus pares e aplicados com sucesso durante a pandemia de covid-19”. E completa: “As evidências científicas demonstram a eficácia das vacinas na contenção da doença, com a redução de casos e da gravidade dos sintomas nos infectados, e a ineficácia da cloroquina em seu tratamento”.
O professor Rodrigo Fonseca, diretor da AdUFRJ, vê nos ataques a Ligia Bahia uma tentativa do CFM em silenciar vozes contrárias à direção do Conselho. “A professora Ligia é uma referência nacional na saúde pública, uma defensora do SUS. A AdUFRJ, toda a sua diretoria e nosso setor Jurídico vêm acompanhando o caso e dará todo o suporte para que a professora não tenha sua liberdade de expressão cerceada, princípio fundamental de um estado democrático de Direito”, afirma Rodrigo.
Para a presidenta do sindicato, professora Mayra Goulart, “estar ao lado de Ligia é estar ao lado da verdade científica”. A Associação dos Docentes da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (Adur) também expressou solidariedade a Ligia Bahia.

Ganha força o movimento nacional de defesa da Professora Ligia Bahia. Entidades científicas, como a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência e a Academia Brasileira de Ciências, emitiram notas em apoio à professora. Docente do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva da UFRJ, Ligia está sendo processada pelo Conselho Federal de Medicina apenas por emitir sua opinião baseada em evidências científicas.
Contrária ao protocolo de uso de cloroquina durante a pandemia de covid-19, a professora criticou a conduta do CFM, que adotou discurso que questionava a eficácia da vacinação e apoiava a cloroquina para combate à pandemia. O conselho exige retratação e indenização no valor de R$ 100 mil.
Na UFRJ, um grupo de professores titulares lançou um abaixo-assinado em defesa da docente. O documento já conta com mais de 13 mil assinaturas.
"É importante destacar que as afirmações da professora Bahia, pesquisadora reconhecida nacional e internacionalmente na área de saúde pública, foram baseadas em consensos científicos amplamente aceitos por seus pares e aplicados com sucesso durante a pandemia de COVID-19. As evidências científicas demonstram a eficácia das vacinas na contenção da doença, com a redução de casos e da gravidade dos sintomas nos infectados, e a ineficácia da cloroquina em seu tratamento", diz trecho do documento publicado pelos titulares da UFRJ. "O processo movido pelo CFM, que propõe punição por declarações respaldadas por evidências científicas, reflete uma postura contrária aos princípios fundamentais da ciência, da educação e da própria democracia", afirmam os titulares.
Para subscrever o abaixo-assinado acesse: https://www.change.org/p/apoio-a-profa-ligia-bahia
 
Foto: Fernando Souza/Arquivo Adufrj

WhatsApp Image 2025 01 31 at 19.08.16Ricardo Stuckert/Fotos PúblicasForam 12 milhões de metros cúbicos de rejeitos de minério, que mataram 272 pessoas e soterraram sonhos e memórias. Passados seis anos do rompimento da barragem da mina Córrego do Feijão, da mineradora Vale, em Brumadinho (MG), um estudo conjunto da Fiocruz e da UFRJ mostra que a população local ainda convive com as marcas da tragédia, agora traduzida em graves problemas de saúde. Entre as descobertas, o estudo divulgado no último dia 24 detectou a presença de metais pesados, entre os quais o arsênio e o mercúrio, em 100% das amostras de urina de crianças de zero a seis anos analisadas na cidade mineira.
O estudo avalia desde 2021 os efeitos do desastre na saúde dos habitantes de quatro localidades de Brumadinho. Os dados divulgados se referem ao trabalho de campo feito em 2023 e revelam que, entre as crianças de zero a seis anos, havia a presença de pelo menos um dos cinco metais monitorados (cádmio, arsênio, mercúrio, chumbo e manganês) em todas as amostras de urina analisadas. O arsênio, elemento químico que pode ser fatal a humanos em doses altas, é o que mais preocupa: entre 2021 e 2023, o número de crianças com níveis acima do valor de referência passou de 42% para 57%, em média.
Os percentuais de arsênio são ainda mais expressivos em localidades próximas à área do desastre ou da mineração ativa no município. No povoado de Aranha, distante dez quilômetros do epicentro do desastre, os índices do metal nas amostras acima do valor de referência mantiveram-se entre 50% e 52%. Já nas duas localidades mais próximas — Córrego do Feijão e Parque da Cachoeira — e na qual há mineração ativa — Tejuco —, os percentuais de 2023 sobem de forma significativa, se comparados aos de 2021. No Parque da Cachoeira e no Córrego do Feijão saltam de 29%, em 2021, para 54% e 62,5%, respectivamente, em 2023. Em Tejuco, quase dobram: vão de 37,5% a 72%.
De acordo com a Organização Mundial da Saúde, em observação destacada no estudo, os metais arsênio, cádmio, chumbo e mercúrio estão entre as dez substâncias tóxicas de maior preocupação para a saúde pública.

SINAL DE ALERTA
O estudo faz parte do Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho, financiado pelo Ministério da Saúde. Ele é dividido em duas frentes. O projeto Saúde Brumadinho é voltado para adultos e adolescentes. Já o projeto Bruminha tem foco nas crianças de zero a seis anos. Em 2023, o programa monitorou 130 crianças, 175 adolescentes e 2.520 adultos.
“Acho que os resultados da exposição das crianças aos metais ligam um sinal de alerta. Nosso organismo não produz arsênio, chumbo ou mercúrio, eles sempre vêm do ambiente. Se eu tenho uma população vivendo numa região de mineração, e existe uma exposição dessa população nessa faixa etária, isso é preocupante. É o momento de maior crescimento na vida humana. Você vê um bebê que não levanta a cabecinha e um ano depois está começando a andar. São células se dividindo e se multiplicando, suscetíveis à penetração de qualquer substância tóxica”, avalia a professora Carmen Fróes Asmus (IESC/UFRJ), coordenadora do projeto Bruminha.
Os pesquisadores ressaltam que os resultados demonstram uma exposição aos metais, e não uma intoxicação, que só pode ser assim considerada após avaliação clínica e exames para definir o diagnóstico. “Intoxicação é um quadro clínico, um conjunto de sinais e sintomas. O que detectamos é uma exposição disseminada das crianças aos resíduos desses metais. O que não deixa de ser preocupante. Uma coisa é você ou eu termos uma exposição a chumbo ou mercúrio, outra coisa é um bebê de dois meses. É um organismo que está num processo tão grande de construção que um agente tóxico vai ter um potencial de ação lesiva muito mais forte, em doses menores, do que se fosse com você ou comigo”, explica a docente.
Um dos maiores especialistas do país em saúde pública, o professor emérito Volney Câmara, também do IESC, partilha da mesma visão. “Os metais podem causar muitos efeitos crônicos, que podem não estar visíveis neste momento. São efeitos insidiosos. É fundamental o acompanhamento dessas pessoas, notadamente as crianças, pelo SUS. As crianças são mais expostas a estes poluentes porque as estruturas do corpo ainda não estão completas, e o pior, pelos mesmos motivos, apresentam efeitos mais graves que nos os adultos”, diz Câmara, que é consultor do programa do Programa de Ações Integradas em Saúde de Brumadinho.
A professora Carmen acrescenta que é preciso uma maior vigilância do ambiente em Brumadinho. “Temos que ter uma maior frequência de coleta de amostras da água, do solo, da poeira e uma troca de informações entre as secretarias de Ambiente e Saúde do município e do estado. E precisamos de equipes de saúde melhor capacitadas. Infelizmente nessa área da saúde ambiental, mais especificamente da toxicologia, a formação dos profissionais de saúde não é a desejável. Em uma área de mineração, o profissional de saúde tem que fazer avaliações dos níveis de chumbo no sangue de uma gestante, ou de arsênio na urina de uma criança”.

SAÚDE ABALADA
Coordenador-geral do programa e responsável pelo projeto Saúde Brumadinho, o professor Sérgio Peixoto (UFMG), pesquisador da Fiocruz Minas, observa que a percepção da população local em relação à sua própria saúde é um componente relevante para aferir os desdobramentos do desastre de 2019. “Na autoavaliação de saúde entre adultos, o que a gente percebe entre 2021 e 2023 é a manutenção de percentuais elevados de relatos de saúde ruim ou muito ruim. Chegam de 10% a 12%, enquanto na população brasileira esse percentual é de 5,8%. Essa é uma variável importante e está associada a diversos riscos como desenvolvimento de doenças crônicas, adoecimento e até mortalidade”, diz ele.
A pesquisa investigou a presença de sintomas nos 30 dias anteriores à entrevista. Em 2021, os adultos relataram principalmente irritação nasal (31,8%), dormências ou cãibras (25,2%) e tosse seca (23,5%). Em 2023, houve um aumento na frequência das duas primeiras condições para 40,3% e 34,4% e uma pequena diminuição (21,5%), na terceira. O grupo de doenças que inclui enfisema, bronquite crônica ou doença pulmonar obstrutiva crônica registrou aumento de 2,7%, em 2021, para 10,7%, em 2023.
De acordo com o pesquisador, o estudo mostra que, entre os adolescentes, houve um aumento de doenças respiratórias. “Doenças pulmonares crônicas, com enfisema e bronquite, tiveram um aumento muito grande na maioria das regiões. A asma teve pouca variação, mas permaneceu num percentual alto. Isso se repete quando a gente avalia a população adulta. Os percentuais são duas ou até três vezes maiores do que o que observamos na população brasileira. Sintomas como chiado, falta de ar, irritação e tosse são muito frequentes em Brumadinho. Isso pode estar associado aos problemas ambientais, ao processo produtivo e à produção de poeira na região. É uma preocupação constante. Vamos checar se isso se mantém com os dados de 2024”.
O estudo também avaliou aspectos de saúde mental. O diagnóstico de ansiedade ou problemas do sono foi reportado por 32,8% dos entrevistados adultos, em 2021, e por 32,7%, em 2023. “O diagnóstico de depressão se mantém em torno de 20% entre os adultos, o dobro da população do país. Usamos algumas escalas que nos permitem fazer triagens. Tanto em adultos quanto em adolescentes há um aumento no percentual de depressão e de ansiedade. Em algumas comunidades, o percentual ultrapassa 40%, um valor muito elevado. As questões de saúde mental perduram por muito tempo após uma grande tragédia. Nossa pesquisa foi feita após a pandemia, então ela se sobrepôs ao rompimento da barragem em Brumadinho. É uma dupla carga para a população”, avalia Peixoto.

PRÓXIMOS PASSOS
A análise dos dados coletados em campo em 2024 está adiantada. A equipe do programa vai voltar a Brumadinho em março para levar à população os resultados compilados de 2021 a 2023. “Esse é um compromisso do programa, temos que dar suporte às famílias. Ficamos lá na unidade de saúde à disposição delas, tiramos dúvidas”, diz Carmen. A primeira etapa do programa cobre a coleta e a análise de dados até 2025. “Mas já vamos iniciar uma negociação com o Ministério da Saúde para prosseguir por mais alguns anos, com mais tempo de acompanhamento”, adianta Peixoto.
No sábado passado (25), para marcar os seis anos do desastre, a Associação dos Familiares das Vítimas e Atingidos pelo Rompimento da Barragem em Brumadinho (Avabrum) organizou um ato com apoio do Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB). As duas entidades reivindicam um protocolo de saúde específico para atendimento às famílias de Brumadinho.
“Estamos muito preocupados porque cada vez o nível de contaminação aumenta no sangue das pessoas, nos animais, em todas as plantas. Tudo isso traz problemas sérios de saúde. Exigimos um protocolo específico e que a Vale arque com essa situação. Essa lama tóxica tem se espalhado, criado consequências. A gente vê pessoas doentes em toda a bacia do Rio Paraopeba. O mesmo acontece na Bacia do Rio Doce, atingida em 2015 pelo rompimento da barragem da mineradora Samarco, em Mariana”, disse, no ato do dia 25, uma das coordenadoras do MAB, Joceli Andrioli.
Questionada pelo Jornal da AdUFRJ, a Vale esclareceu que “segue empenhada e comprometida com o propósito de reparar os impactos causados às pessoas, às comunidades e ao meio ambiente em Brumadinho”. Sobre o estudo conjunto da UFRJ e da Fiocruz, a mineradora informou que irá avaliar detalhadamente os resultados divulgados para se posicionar. A empresa divulgou ainda que “no âmbito do Acordo Judicial de Reparação Integral há projetos com foco no fortalecimento dos serviços de saúde que vão desde aquisição de equipamentos médico/hospitalares, custeio de serviços até reformas/construção de unidades de saúde”. Segundo a Vale, 17 mil pessoas já firmaram acordos de indenização com a empresa, entre cíveis e trabalhistas.

NA ROTINA DOS PESQUISADORES, ACOLHIDA, AFLIÇÕES E INCERTEZAS

WhatsApp Image 2025 01 31 at 19.08.17 1Foto: Arquivo PessoalIr a campo, coletar dados, conviver com as famílias, ver as crianças crescerem, ouvir queixas e lamentos, vivenciar angústias e dar colo. Os quatro anos de convívio com o sofrimento da população de Brumadinho transformaram a vida da professora Maíra Mazoto, pós-doutoranda do Instituto de Estudos em Saúde Coletiva (IESC/UFRJ). Ela se emociona ao falar do contato constante com as famílias atingidas pelo desastre da mina Córrego do Feijão, em 25 de janeiro de 2019.
“De longe, a gente não tem a mínima ideia do tamanho da coisa. É uma população que está sofrendo até hoje, seis anos depois do desastre, e que ainda está em busca de respostas. Uma população marcada, com perda de familiares, ruptura social como um todo, formas de socialização que foram perdidas, que jamais vão retornar ao que era antes”, relata Maíra, que é a coordenadora-executiva do Projeto Bruminha, e responsável pela logística do trabalho de campo.
Professora da Escola de Nutrição da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (Unirio), Maíra fez mestrado e doutorado no IESC/UFRJ, onde desenvolve tese de pós-doutorado sobre a violação do direito humano à alimentação e nutrição adequadas em situações de desastre e injustiça ambiental.
“Brumadinho é também meu campo de estudos. Trabalhamos em quatro comunidades rurais, onde as pessoas costumavam plantar e criar animais. Muitas desenvolveram traumas, não conseguem mais fazer isso. Elas têm medo, não sabem se o solo está contaminado, se a água está contaminada, falam que os alimentos não crescem mais como cresciam antes”, diz ela.
Para fazer o trabalho de campo, Maíra e os outros pesquisadores do Bruminha contam com o apoio de agentes comunitários de saúde, pessoas que também foram atingidas e moram nas comunidades. “Agora em março vamos voltar lá para levar os resultados do estudo às famílias. Os agentes avisam de nossa chegada, preparam o terreno, são fundamentais. Fazemos um informe de saúde para cada família, onde relatamos os resultados das análises. No caso das crianças, mostramos desde a evolução de peso e altura ao desenvolvimento neuropsicomotor. É o momento de acolhida, onde sentimos as aflições e incertezas das famílias”.
Segundo Maíra, os encontros são uma mescla de consulta médica com sessão de terapia. “Vamos eu e uma pediatra do projeto e ficamos lá uma manhã ou uma tarde inteira atendendo as famílias. A gente abre o laudo junto com elas, explica o que aquilo quer dizer, o impacto, o que precisa ser feito. Sempre que crianças apresentam alguma alteração que mereça mais atenção, nós encaminhamos para o serviço de saúde local”.
De 2021 para cá, Maíra confirma que a angústia é um sentimento que perdura na esteira do desastre de 2019. “Sentimos isso nas mães, esse sofrimento prolongado. Elas relatam episódios de violência que antes não havia na região, casos de depressão, até de suicídio. É como se fosse um trauma silencioso que permanece na região. As pessoas ficam mais receosas, desconfiadas. Se ouvem um barulho diferente já podem achar que é outro rompimento de barragem. É um cenário muito sensível”.
Em 25 de janeiro, foi inaugurado o Memorial Brumadinho, no Córrego do Feijão, por iniciativa das famílias das vítimas. Ele é cercado por um bosque com 272 ipês-amarelos, e é todo em tons de marrom, para lembrar a lama que mudou para sempre a vida do lugar.

WhatsApp Image 2025 01 31 at 19.08.17 4FOTOS: BÁRBARA MASCARENHAS/LASSBIORenan Fernandes

O ano de 2024 foi difícil para a comunidade acadêmica do Instituto de Ciências Biomédicas (ICB) da UFRJ. No intervalo de um mês, duas referências no campo da Farmacologia brasileira partiram deixando uma legião de admiradores. O professor emérito Eliezer Barreiro e o professor Carlos Alberto Manssour Fraga foram os homenageados da 31ª edição da Escola de Verão em Química Farmacêutica Medicinal, que aconteceu entre os dias 27 e 31 de janeiro, no Centro de Ciências da Saúde.
Eliezer Barreiro foi o fundador da Escola de Verão, em 1994, e coordenador até 2019, quando deixou o cargo. Fraga, aluno e sucessor acadêmico de Barreiro, o substituiu na coordenação.

CONVIDADOS
Coube ao professor Carlos Maurício Sant’Anna, da UFRRJ, assumir a direção da Escola na primeira edição sem os renomados professores. “É uma grande responsabilidade, mas, sobretudo, uma satisfação dar continuidade ao trabalho dos dois, que sempre foi reconhecido no Brasil e no exterior”, afirmou.
Sant’Anna é professor associado ao Laboratório de Avaliação e Síntese de Substâncias Bioativas da UFRJ (LASSBio). Como estudante de doutorado no Instituto de Química, co-orientado pelo professor Barreiro, esteve presente na primeira edição da Escola de Verão. Desde então, nunca mais se afastou. De aluno, passou a professor ministrando cursos. O docente mostrou felicidade em ver a continuidade do legado deixado por seu mestre. “O Eliezer temia que esse trabalho se perdesse quando ele não estivesse mais aqui. Tenho certeza de que, se ele pudesse ver o que está sendo feito, ficaria muito satisfeito”, disse com carinho.
O evento movimentou os silenciosos corredores do CCS no período de férias da graduação. A escolha pelo mês de janeiro vem desde a idealização da Escola de Verão. “Por ser um período de ociosidade nas universidades, permite a presença de estudantes de diferentes partes do Brasil”, explicou a professora Lídia Moreira Lima, do ICB e coordenadora do LASSBio.
Primeiro químico medicinal do Brasil, Barreiro criou o curso para sistematizar a disciplina nas universidades brasileiras, buscando diálogo com pesquisadores estrangeiros. “Dar o exemplo, pelo melhor exemplo”, recorda a professora Lídia do mantra de Eliezer.
Já passaram por edições anteriores nomes como Jörg Senn-Bilfinger, descobridor do pantoprazol, que reduz a acidez estomacal e Sir Simon Campbell, inventor da sildenafila, usada no tratamento de disfunção erétil.
A 31ª edição trouxe dois pesquisadores europeus. O professor alemão Stefan Laufer, da Universidade de Tübingen, foi o responsável pela conferência de abertura, agora chamada conferência Barreiro-Fraga. Laufer mantém acordos de parceria acadêmica com laboratórios e professores brasileiros desde 2004. “O Brasil tem professores brilhantes, mas é importante também os estudantes terem contato com a ciência internacional”, afirmou o docente.
A professora italiana Maria Laura Bolognesi também participou do evento. “Se você é um bom cientista, precisa ser capaz de passar o conhecimento para os outros. A ciência deve ser para todos, por isso, eu adoro participar desse tipo de atividades”, celebrou.
A Escola de Verão conseguiu apoios financeiros que garantiram sua viabilidade. Além do apoio de empresas farmacêuticas, a verba do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Fármacos e Medicamentos (INCT-Inofar), financiado pelo CNPq e pela Faperj, possibilitou a oferta de bolsas para alunos e o financiamento de passagem e estadia para pesquisadores de outros estados e países.

VERDE E AMARELO
Se a principal missão da Química Medicinal é descobrir medicamentos, Barreiro sempre levantou a bandeira do desenvolvimento de fármacos 100% nacionais. “Ele propôs esse curso como uma forma de divulgação da área, a partir da atualização de conceitos e estratégias em benefício de um pensamento maior, a descoberta de um fármaco verde e amarelo”, explicou a professora Lídia Lima.
A dependência brasileira das importações de medicamentos causava grande apreensão ao professor Eliezer. “Ele dizia que se tivéssemos uma guerra ou um embargo comercial, muita gente morreria por falta de remédios”, lembrou a docente.
As dificuldades de pesquisa na área são grandes. O trabalho longo e custoso só é possível em colaboração com a indústria farmacêutica. A UFRJ desenvolve em cooperação científica com a empresa Eurofarma um trabalho iniciado pelo professor Barreiro de um fármaco para dor neuropática, uma alternativa de analgésico não opioide.

ESTUDANTES
WhatsApp Image 2025 01 31 at 19.08.17 5A Escola de Verão contou este ano com 141 estudantes de sete estados do Brasil. O farmacêutico Célio Souza veio de Anápolis (GO) para sua terceira participação no evento. “Mandei um e-mail para o professor Eliezer em 2015, umas duas horas da manhã. Quando acordei, ele já tinha respondido. Me senti convidado”. Formado em 2011, Célio quer se manter em contato com as pesquisas mais recentes. “Aqui me mantenho conectado para, quando voltar para a academia, não estar tão distante do que se discute hoje na ciência”, disse.
Gustavo Mendonça, estudante do nono período de Farmácia na UFRJ, é aluno de iniciação científica do LASSBio e participou pela primeira vez. Aproveitou os cursos para desenvolver conhecimentos que podem ser úteis no laboratório. “A Escola é importante para nós que estamos no final da graduação. É uma oportunidade de pensar em novos caminhos no mestrado e no doutorado”.
O professor Pedro de Sena, do ICB, é um exemplo de como a Escola pode impactar no futuro acadêmico. Participou pela primeira vez em 2015, ainda como estudante de graduação. No curso, conheceu o professor Manssour, recebeu um convite para iniciação científica e depois ingressou no mestrado sob a orientação do docente. Pedro já foi monitor e, desde o ano passado, ministra cursos na Escola. “Aquela participação em 2015 foi uma virada de chave. Quando você vê pessoas fazendo o que você quer fazer e mostrando todo o potencial do trabalho de pesquisa, isso acaba te conquistando”.

Principal instância de deliberação do movimento docente, o 43° Congresso do Andes acontece até sexta-feira (31) em Vitória (ES). O evento reúne 467 delegados, 127 observadores e 34 diretores do Andes. Além dos professores, há oito acompanhantes e 13 crianças. Vinte e dois jornalistas trabalham na cobertura das atividades. A AdUFRJ participa com 22 representantes, entre delegados e observadores.

Neste segundo dia do Congresso, os docentes se dividem em grupos mistos de trabalho para debater temas relacionados à política que será conduzida pelo Sindicato Nacional em 2025, tanto no plano de lutas geral, como no plano específico para os setores municipais, estaduais e federal. A carreira docente federal é um dos temas da programação.

A reunião de Vitória terá a inscrição de chapas que irão concorrer às eleições para a diretoria do Andes, em maio. Em paralelo às discussões das plenárias, os grupos políticos que disputam a direção nacional do sindicato vão se articular para a corrida eleitoral.

Confira alguns registros do Congresso feitos pela enviada especial Silvana Sá.

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