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Silvana Sá e Liz Mota Almeida

WhatsApp Image 2021 08 14 at 08.57.56O teatro de horrores em que se transformou o Planalto teve uma semana particularmente grotesca. O desfile de absurdos – literal e figurado – atingiu o ápice na terça-feira (10), com a exibição de tanques e blindados sucateados das Forças Armadas na Praça dos Três Poderes, no mesmo dia em foi votada e rejeitada pela Câmara a proposta do voto impresso para as eleições do ano que vem. A tentativa de intimidar os parlamentares virou motivo de chacota na internet.  
Para o professor Josué Medeiros, do Departamento de Ciência Política do IFCS, a pretensa demonstração de força se transformou em constrangimento. “O desfile foi um tiro que saiu pela culatra para Bolsonaro e reforçou sua situação de isolamento. A derrota do voto impresso, no mesmo dia, confirma o diagnóstico”, avalia. Josué, contudo, lembra que não dá para concluir que Bolsonaro “está prestes a ser derrotado”. “Sua proposta golpista contra as urnas eletrônicas recebeu 229 votos, número bem representativo”, sublinha. “As Forças Armadas, mesmo incomodadas, toparam aquele desfile patético. A base bolsonarista mais radical segue defendendo o presidente. Por fim, ele ainda mantém o patamar de 25% de ótimo/bom nas pesquisas de avaliação do governo”, elenca o especialista.
O Congresso teve outra pauta polêmica na semana: a volta das coligações para eleições proporcionais e o chamado “distritão”. Os temas faziam parte da PEC 125/11, votada na Câmara na quarta-feira (11), em primeiro turno. “A derrota do distritão foi uma grande vitória da democracia”, considera o professor Josué. “Esse sistema favorece a ação de celebridades e figuras públicas na política e aumenta o peso do poder econômico nas eleições. Além disso, enfraquece os partidos, os projetos coletivos e dificulta a representatividade”, resume o cientista político.
Para Josué, o preço desse resultado foi a volta das coligações, prática que tinha sido proibida em 2017. “Apesar do custo político, derrotar o distritão era fundamental para pensarmos em democracia no Brasil”, conclui. Para as mudanças valerem para o ano que vem, precisam ser aprovadas em dois turnos na Câmara e no Senado e incorporadas à Constituição até o início de outubro.

Corrida de obstáculos
Na UFRJ, a semana também foi de fortes emoções. Findo o prazo de inscrições, duas chapas se apresentaram para disputar a diretoria da AdUFRJ (leia nas páginas 6 e 7). E a universidade ficou sabendo que seu orçamento para 2022 será de R$ 320,8 milhões, o que sinaliza mais uma corrida de obstáculos para se manter aberta no ano que vem (leia na página 4). O MEC só liberou os limites do orçamento de 2022 no dia 6, à noite, com prazo para resposta até o fim do dia 9. As instituições correram contra o relógio para montarem suas propostas.
“As universidades estão ameaçadas de parar. Os institutos também estão sofrendo muito com a falta de investimento e não está havendo subvenção para as indústrias”, avalia o professor Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências.
As declarações do ministro Milton Ribeiro, no útimo dia 9, dão pistas de que esses cortes de recursos fazem parte de um projeto. Ele afirmou que “a universidade deveria ser para poucos”. Também disse que a Eucação foi “tomada por um viés político-ideológico”, que atribuiu aos “maus professores” que resistem em voltar às salas de aula durante a pandemia. Disse, ainda, que reitores não podem ser “esquerdistas ou lulistas” e criticou o sistema de cotas.
“A universidade deve ser para todos, sim”, rebate o professor Marcus Vinicius David, presidente da Andifes (associação nacional de reitores). Ele defende que todos os segmentos sociais tenham acesso ao ensino superior. “O modelo de desenvolvimento social e econômico pressupõe a garantia de acesso à Educação e à universidade. Por isso, a Andifes defende a política de cotas, que é transformadora para a sociedade”.
A professora Eleonora Ziller, presidente da AdUFRJ, reforça que as declarações do ministro estão “em completa sintonia” com o governo Bolsonaro. Ela lembra que até o início do século 21, menos de 5% da população jovem brasileira estava na universidade. “Sempre reservamos a universidade para muito poucos, e engatinhamos nos últimos dez anos com um processo de transformação, ampliação e renovação da universidade. O Brasil devia isso à sua juventude”, avalia a professora.

Interferência é marca
Milton Ribeiro também defendeu uma maior interferência na autonomia administrativa das universidades, o que já é uma das grandes marcas do governo. Cerca de 40% dos atuais reitores são biônicos, ou seja, não foram escolhidos por suas comunidades. O último ataque à autonomia foi publicado no dia 4 de agosto. O MEC destituiu o procurador-chefe da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Murillo Giordan Santos, e nomeou Alessander Jannucci como substituto, à revelia do reitor e sem justificativas. A reitoria reagiu. Em nota, declarou que solicitou audiência cm o ministro, em caráter de urgência, “visando obter informações e esclarecimentos sobre o processo”. E que o assunto será tratado “nas devidas instâncias universitárias”.
Ribeiro agiu fora de suas prerrogativas. Instrução Normativa nº 5, de 1998, determina que cabe aos reitores a tarefa de indicar os procuradores das universidades. Em carta encaminhada aos pares e obtida pelo Jornal da AdUFRJ, o procurador destituído alerta que o que está em jogo “é o atropelo de ministérios sobre as autarquias; é a falta de autonomia do advogado público para exercer sua missão com imparcialidade técnica sob o receio de desagradar interesses políticos e ser exonerado por autoridade que sequer possui competência para tal ato”. Ele completa: “É a nítida intervenção e uso político da nossa carreira”.
O professor Marcus Vinicius David afirma que a Andifes está, desde o ocorrido, trabalhando próximo à reitoria da Unifesp, “dando todo o apoio e buscando solução para o impasse”, além de diálogo com o MEC. “Entendemos que faz parte do princípio da autonomia que universidades escolham seus dirigentes também das funções administrativas”. O Conselho Universitário da Unifesp, no dia 11, aprovou moção manifestando “surpresa e indignação” com o caso. O documento exige que o MEC anule os atos de exoneração e nomeação do procurador-chefe, “a fim de preservar a legalidade, legitimidade e segurança jurídica do processo”.
Para a professora Eleonora Ziller, as intervenções do governo são “uma tentativa desesperada” de interferir na vida universitária. “A AdUFRJ é solidária à Unifesp. A questão da autonomia é central para nossa sobrevivência. Ninguém está a salvo neste governo. Qualquer um pode ser vítima de intervenção uma vez que as falas das autoridades não demonstram nenhum compromisso republicano e democrático”.
A Adunifesp, seção sindical docente local, tem se articulado local e nacionalmente. “O rito foi indevido, incorreto e uma intromissão inadmissível do MEC, em algo que o ministro não tem competência para atuar”, defende o presidente da entidade, professor Fábio Venturini. “Estamos buscando o apoio para ações políticas, administrativas e jurídicas”, afirma. “É um governo golpista, que está destruindo tudo o que pode, mas a gente vai reconstruir”.
Depois de uma semana como essa, só resta uma certeza: vamos sim, professor, vamos sim.

 

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Os defensores da democracia, da universidade pública e gratuita e do Serviço Público têm agenda cheia na próxima quarta-feira (18). O dia começa com uma assembleia da AdUFRJ, às 10h, para debater a greve nacional em defesa do Serviço Público e contra a reforma administrativa, marcada para o mesmo dia. Às 16h, na Candelária, começa a concentração para o ato contra a PEC 32 convocado pelo Fórum  Unificado em Defesa do Serviço Público e Estatais.

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Foi oficialmente dada a largada do período eleitoral da AdUFRJ. O momento é o mais importante da vida da entidade, onde os docentes podem se reunir para debater projetos e decidir os rumos políticos da seção sindical pelos próximos dois anos. Duas chapas, de situação e de oposição à atual gestão, se inscreveram na quinta-feira, dia 12. O professor João Torres, do Instituto de Física, é o candidato a presidente da Chapa 1 – “Docentes pela Democracia: em Defesa da Universidade Pública”. A professora Cláudia Lino Piccinini, da Faculdade de Educação, é a candidata a presidente da Chapa 2 – “Esperançar: Universidade Pública e Sindicato Autônomo, Sim!”.  

Pela primeira vez na história do sindicato, o pleito será remoto. Por isso, é fundamental que todos os docentes sindicalizados atualizem seus dados cadastrais pela página da AdUFRJ (www.adufrj.org.br – aba “atualize seus dados”) ou pelo hotsite cadastro.adufrj.org.br (veja mais detalhes ao lado). As eleições estão marcadas para os dias 13, 14 e 15 de setembro. No mesmo período serão realizadas as eleições para o Conselho de Representantes. A inscrição para o CR segue aberta até 2 de setembro.

A primeira reunião da Comissão Eleitoral, que homologará as chapas candidatas à diretoria, está agendada para a próxima segunda-feira (16). Presidente da Comissão Eleitoral, o professor Hélio de Mattos Alves, da Faculdade de Farmácia, reconhece que a missão é desafiadora. “Vai ser uma situação atípica, mas vamos nos dedicar ao máximo. Queremos pensar os melhores formatos para os debates, de preferência com transmissão pelo Youtube, para ficar gravado, de forma que os professores possam acessar o conteúdo, mesmo que não consigam participar no horário do debate”, sugere.
Ele espera que o processo seja o mais participativo possível. “O mais importante agora é atender ao chamado da diretoria, para que os professores se cadastrem. Boa parte dos docentes já é familiarizada com o processo, pois a maioria dos conselhos de categoria realiza eleições on line”, sublinha o professor. “O papel da Comissão é fazer o processo com total lisura. Esta, aliás, sempre foi uma tradição da AdUFRJ”, diz o docente, que foi diretor da associação na década de 1980.

O professor Luciano Coutinho, da Faculdade de Administração e Ciências Contábeis, acredita que será um momento de bastante trabalho. “Vai ser um sistema eleitoral completamente novo, que muda muito a lógica do que a gente conhece em termos de eleições da AdUFRJ”, diz. O sistema ainda não foi definido. “Dependendo de qual seja, a gente não tem muita manobra para quem não está no cadastro. Fechado o sistema, não há possibilidade, por exemplo, de incluir novos e-mails, caso seja detectada alguma falha”, analisa. “Por isso é muito importante atualizar os dados”.

O formato da eleição, embora não seja o defendido pelo professor, não o preocupa do ponto de vista da lisura. “É um meio que as pessoas conhecem bem e muito seguro”, esclarece Luciano. A tecnologia Helios Voting, desenvolvida no Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT) e utilizada para eleições nas unidades da UFRJ, é uma das possibilidades. “Se for o Helios atende muito bem, mas para unidades pequenas. Não sabemos como será na AdUFRJ, que tem um colégio eleitoral muito maior”, finaliza o professor.

ATUALIZE SEUS DADOS

WhatsApp Image 2021 08 05 at 15.45.30Para participar da primeira eleição virtual da história da AdUFRJ, é essencial que os sindicalizados estejam com seus dados atualizados no cadastro do sindicato. Em função da pandemia, a divulgação dos materiais relativos ao pleito e do próprio link da votação vai ocorrer pelo e-mail. O método foi aprovado em Assembleia Geral do dia 9 de julho.
E, desde a semana retrasada, os professores ganharam uma nova opção para fazer esse recadastramento: a página https://cadastro.adufrj.org.br. O sistema permanecerá ativo mesmo após as eleições para facilitar este procedimento junto à secretaria da AdUFRJ. A página pode ser acessada também pelo site da AdUFRJ, na opção “Atualize seus dados”, no menu superior.
No primeiro acesso, o professor deverá clicar em “esqueci minha senha” e informar o e-mail pelo qual recebe as informações da AdUFRJ. Ele vai receber um link para definir a senha. A partir daí, é só atualizar os dados pessoais e profissionais.
Caso receba a mensagem “e-mail não encontrado”, o professor deverá entrar em contato com a secretaria pelo número de whatsapp (21) 99365-4514.
Nessa mesma página, na parte inferior, há um botão verde para facilitar o contato. Quem não tiver o aplicativo pode falar com a secretaria pelo e-mail Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. ou pelos telefones (21) 99365-4514 ou 99808-0672.
A página de cadastro também orienta como os professores podem se filiar à AdUFRJ. Mas novos sindicalizados não poderão participar da eleição deste ano. O prazo era até 13 de julho.

 

Por Silvana Sá e Liz Mota Almeida

 

Os setores estratégicos para o desenvolvimento do Brasil passam por um momento dramático de cortes e desmonte de conquistas históricas. A situação da Ciência é WhatsApp Image 2021 08 06 at 21.53.19emblemática, com restrições orçamentárias severas e processos burocráticos kafkianos.

Em 2021, o governo federal liberou menos de um terço da cota de importação de insumos e equipamentos para pesquisa. O patamar histórico é da ordem de US$ 300 milhões, mas só houve aprovação de US$ 93 milhões. Esta cota permite que pesquisadores brasileiros importem materiais necessários às suas investigações livres do imposto, uma economia que pode superar os 60%.

“Em geral, os insumos e equipamentos de ponta vêm de fora porque não são produzidos em território nacional. É uma necessidade real, já que estamos desindustrializados”, aponta o professor Fernando Peregrino, presidente do Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies) e diretor executivo da Fundação Coppetec. “Reduzir a cota em 70% é uma maldade, sobretudo para quem não tem dinheiro. E a pesquisa nacional não tem recursos”, protesta. As fundações ligadas às universidades respondem por até 80% de todas as importações do Brasil para a pesquisa. Noventa delas são afiliadas ao Confies.

A cota para importações, usando a Lei 8010, de 1990, foi esgotada em maio sem conseguir atender à maior parte da demanda. São necessidades diversas: compras de insumos, de equipamentos, peças para reparo e manutenção de máquinas de ponta. “Eu ganhei uma verba de emenda parlamentar para montar um laboratório novo na Coppe, mas a cota de importação já esgotou e eu não consegui nem começar o projeto”, afirma o professor Luciano Menegaldo, do Programa de Engenharia Biomédica da Coppe. “O primeiro passo era fazer a importação dos equipamentos e essas importações estão paradas. São equipamentos mais modernos que vão também atender aos pacientes da pediatria do IPPMG”, conta.

Laboratórios experimentais de diferentes áreas enfrentam problemas. “Estou com um processo de importação parado desde janeiro deste ano. Entramos com outro processo no mês passado e também não temos nenhuma previsão”, relata o professor Angelo Márcio de Souza Gomes, do Laboratório de Baixas Temperaturas, do Instituto de Física. O primeiro processo busca a importação de um porta amostras para medidas magnéticas. O segundo, um equipamento de ponta para o laboratório. “Hoje nós só temos um porta amostras que, se parar, não temos o que fazer. O laboratório fecha”. Os produtos vêm dos Estados Unidos e da China.

Outro obstáculo é a flutuação do dólar. O processo é enviado para análise do CNPq com um orçamento baseado no câmbio daquele momento. Quanto mais lenta é a avaliação e a liberação do processo, mais dinheiro pode ser perdido com o aumento do dólar. “Há casos em que o pesquisador não consegue mais importar, porque o orçamento inicial não dá conta dessa alteração do câmbio. Deixa de ser suficiente”, afirma o professor Angelo. “Além disso, ainda há a questão da prestação de contas do projeto. Se não gastamos o recurso no prazo, precisamos devolver o dinheiro ou pedir extensão do tempo”.

Levantamento realizado pelo Confies em junho deste ano já indicava que apenas cinco fundações filiadas já acumulavam 45 importações paradas por falta de cota. Uma média de nove materiais por fundação. De lá para cá, esse número só cresceu. “Há inúmeros projetos parados por falta de dinheiro. A última notícia que tivemos era de que o (ministro da Ecoonomia) Paulo Guedes liberaria US$ 100 milhões agora e depois outros US$ 107 milhões, perfazendo, assim, o total de US$ 300 milhões”, conta Fernando Peregrino. “Mas, até, agora, nada disso se confirmou”, afirma.

Uma solução seria utilizar os recursos do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT). A comunidade científica se mobilizou para tornar os recursos do fundo incontingenciáveis. O PLC 135/2020 foi aprovado e tornado Lei Complementar 177/2021. O presidente Jair Bolsonaro chegou a vetar artigos para desfigurar a lei, mas o Congresso rejeitou os vetos. “Tudo certo, tudo aprovado, mas Bolsonaro e Paulo Guedes não cumprem a lei. Aqueles que têm uma visão equivocada da economia não sabem o mal que estão fazendo ao país”, analisa Peregrino.

FACADA NO PEITO DOS CIENTISTAS
Denise Freire, pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa, considera que o corte da cota de importação abala também a internacionalização da universidade. “Temos muitos projetos internacionais, contamos com a tecnologia importada. Quando se corta isso, agrega-se um valor a mais para os projetos que a gente não pode honrar. Isso afeta os projetos acadêmicos, de mestrado e doutorado, mas também projetos com a indústria”, pontua a dirigente. “Vários projetos inovadores, como por exemplo, a nossa vacina, estão ameaçados. É uma facada no peito de que a gente não precisava”.

Os ministérios da Ciência, Tecnologia e Inovação e da Economia foram procurados pela reportagem. O MCTI não retornou às tentativas de contato. Já o Ministério da Economia informou, por sua assessoria, que não iria comentar nem sobre o corte da cota de importação, nem se Paulo Guedes vai mesmo liberar os US$ 100 milhões prometidos.

A expressão “kafkiano”, em referência à obra do escritor tcheco Franz Kafka (1883-1924), virou sinônimo de absurdo ou ilógico. E é desta forma que os cientistas brasileiros encaram o excesso de burocracia para aprovação de projetos, liberação de bolsas, avaliações e prestação de contas. Um estudo do Conselho Nacional das Fundações de Apoio (Confies), de 2017, constatou que um pesquisador gasta, em média, 33% do seu tempo com problemas burocráticos. Uma situação que piorou nos últimos anos. Mas os professores decidiram reagir.

A gota d’água foi uma sequência de mudanças nos processos de preenchimento da avaliação quadrienal na Plataforma Sucupira, de 2019 até este ano. Todas passaram a demandar ainda mais horas dedicadas a atividades administrativas. Em protesto, docentes da UFRJ escreveram uma carta, que será encaminhada à presidência da Capes no início da próxima semana. O documento, por enquanto restrito a coordenadores de pós-graduação de todo o país, já conta com 639 assinaturas até o fechamento desta edição. Existe apoio de todas as áreas do conhecimento.

O professor Nelson Braga, titular do Instituto de Física, redigiu o texto em parceria com as colegas Ethel Pinheiro (Arquitetura) e Daniela Rodrigues (Ecologia). Em sua avaliação, o excesso de tempo gasto com tantos trâmites quase torna incompatível a função de coordenador de pós-graduação com a de docente. “Nós somos também professores, pesquisadores, orientadores, extensionistas e o tempo que levamos para preencher todos os formulários é desproporcional”, critica. “É preciso ter em mente que a nossa atividade-fim é orientação, aula, formação de alunos. Não é preenchimento de relatório”, protesta.

Só as mudanças na Plataforma Sucupira geraram uma infinidade de manuais para orientar os coordenadores de pós, além de vídeos e lives para elucidar dúvidas. São 31 boletins de apoio só para ensinar o correto preenchimento dos novos dados acrescentados ao relatório de avaliação quadrienal, em curso. “O trabalho burocrático, que já era enorme, ficou ainda mais extenso e mudou tudo em cima da hora, tornando ainda mais difícil a nossa tarefa”, avalia Nelson.

Para o professor Pedro Lagerblad, diretor da AdUFRJ e titular do Instituto de Bioquímica Médica, é legítima a motivação de controle das atividades públicas de pesquisa, de buscar prestar contas daquilo que é produzido, mas a execução desse processo só tem piorado. “A forma como é feito esse controle joga nas costas dos funcionários públicos e docentes, em particular, uma carga de trabalho muito grande. Ou se simplifica essa carga, ou se oferece apoio institucional para realizar as tarefas”, sugere.

Pedro fez a conta e percebeu que, se cada docente da universidade preencher ao longo de um mês um formulário de dez minutos, no total serão contabilizados 40 mil minutos de atividades burocráticas, o equivalente a 667 horas (a UFRJ tem 3.993 docentes, mas ele usou o número arredondado de quatro mil). “Nós trabalhamos 40 horas por semana, 160 horas por mês. Com um formulário simples, de dez minutos, você joga fora o tempo de trabalho de quatro professores”, conclui. O docente estima que chega a gastar 40% de sua carga horária com “papeladas”.

Pior do que o tempo gasto é a sensação de que o trabalho foi realizado em vão. “O volume de material gerado com cada formulário é tão grande que nenhuma comissão de avaliação tem tempo hábil para fazer uma análise detalhada. Eu tenho convicção de que a maior parte de tudo o que nós preenchemos para as agências de fomento sequer é lido”, opina Nelson Braga. “Eu sou professor da UFRJ desde 1990. A quantidade de coisas inúteis que fiz nesse tempo todo me deixa sinceramente irritado”.

Ele deixa claro que a intenção do manifesto e das críticas não é apontar culpados, mas buscar mudar a forma como se faz o controle da produção científica brasileira. “A burocracia é um problema cultural nacional e isso faz com que o país não avance. É preciso pensar quanto tempo se vai perder com todos esses formulários. É preciso que essa cultura mude”.

O professor Luciano Menegaldo, da Coppe, concorda. “Não só a burocracia externa é sufocante, mas interna, da UFRJ, também. Tanto a parte de tramitação de processos quanto acadêmica está cada vez mais burocrática, nos tira muita energia e muito tempo”, critica. “Para se fazer qualquer coisa, são dezenas de passos e você gasta um tempo que não tem. Cada vez são mais regras, mais papeis, mais certificados. E as pessoas veem isso com normalidade, o que é mais impressionante”.

Pró-reitora de Pós-graduação e Pesquisa, a professora Denise Freire reconhece as dificuldades. “Precisamos de menos burocracia e muito mais liberdade para criar, fazer projetos inovadores e disruptivos”, afirma. Em relação às reclamações sobre as burocracias internas, a docente afirma que um dos compromissos da atual gestão é simplificar os procedimentos, mas que isso nem sempre é possível. “Detecto inúmeras barreiras endógenas para a real desburocratização da UFRJ. Podemos citar a ditadura cada vez mais presente dos órgãos de controle e muitas vezes a existência de clusters de ‘micropoderes’ que precisam da burocracia para sobreviver”.

 

Presidente da Capes nomeia orientanda

A escalada de desmonte da pesquisa chega a níveis até difíceis de acreditar. Os perfis técnicos e qualificados estão dando lugar a conchavos e interesses pessoais. Um exemplo aconteceu nesta semana na Capes. No último dia 4, a Diretoria de Relações Internacionais foi assumida por Lívia Pelli Palumbo, aluna de doutorado da atual presidente da agência, a professora Cláudia Mansani Queda de Toledo. A comunidade científica recebeu a notícia com preocupação, principalmente por se tratar de alguém sem atributos necessários para conduzir uma das diretorias mais importantes da Capes. A Sociedade Brasileira de Física, que há menos de quatro meses se pronunciou com críticas à nomeação de Cláudia Mansani, voltou a se manifestar.

A SBF reafirma a importância da agência para a pesquisa brasileira e sublinha que a estudante não tem “qualquer experiência em coordenação de redes de colaboração internacional ou outra distinção que a credenciem para o cargo”. A nota segue: “Isto é particularmente preocupante para o período que passamos, que demanda para a DRI um perfil de liderança com grande experiência acadêmica para rearticular as redes e os projetos institucionais de internacionalização da pesquisa científica do Brasil”.

Lívia tem 35 nos. Graduou-se em Direito na Instituição Toledo de Ensino, em 2008, faculdade de propriedade da família de sua orientadora. Fez o mestrado e cursa o doutorado no mesmo local. Ela substitui Heloísa Hollnagel, professora da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). A assessoria de imprensa da Capes se limitou a dizer que a atual presidente agradece a dedicação de Heloísa no tempo em que esteve à frente da diretoria e que deseja “sucesso em suas atividades futuras”.

ENTREVISTA I CONSUELO LINS
Professora Titular da Escola de Comunicação e integrante do Comitê Científico da sociedade brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual

 

Por Ana Beatriz Magno e Kelvin Melo
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Não foi só uma consequência dramática do descaso ou uma tragédia anunciada e denunciada meses antes pelos funcionários e autoridades do Ministério Público. O WhatsApp Image 2021 08 06 at 21.42.10incêndio da Cinemateca, na noite de 29 de julho, integra um projeto criminoso de queimar todo e qualquer polo crítico, criativo, inteligente, emancipatório no Brasil. “Há uma guerra cultural em curso. O governo Bolsonaro declarou guerra contra qualquer coisa que seja crítica, libertária e criativa. A cinemateca é simbólica disso tudo”, resume Consuelo Lins, professora titular da Escola de Comunicação da UFRJ, e usuária assídua dos acervos da Cinemateca para suas pesquisas.

Documentarista e estudiosa da produção audiovisual brasileira, Consuelo está inconformada com os efeitos das chamas. “O fogo consumiu toda a memória de algumas instituições federais de fomento ao cinema, como a Embrafilme. Toda memória que se tem de todas as produções feitas por esta instituição tão importante foi queimada”, lamenta. “É desolador. Como dizia Darcy Ribeiro, é um projeto de desmonte, não é uma incompetência, é deliberado”.

Pesquisadora do papel da memória na construção cultural, Consuelo ressalta que o incêndio não destruiu apenas o passado. “Elas queimaram também o futuro. Construímos o futuro a partir do passado, a partir de imagens registradas no passado e guardadas em instituições como a Cinemateca. Por isso, essas instituições são tão importantes, porque são essenciais para a construção do futuro”, lamenta a docente em entrevista ao Jornal da AdUFRJ. “No atual momento, é urgente uma política de redução de danos. É o possível. E o mais rápido possível. Ainda há muitas outras coisas com potencial não só de serem queimadas, mas de serem perdidas por falta de preservação”.


WhatsApp Image 2021 08 06 at 21.45.56Jornal da AdUFRJ: A cinemateca pegou fogo ou foi incendiada?
Consuelo Lins: Foi incendiada. É a crônica total de um crime anunciado.

O que significa perder essa memória da produção cultural, não só do cinema?
É uma possibilidade de futuro. Potencialmente, você tem uma multiplicidade de possibilidades naquele material. Não é só cinema. É história, antropologia. Tem imagens dos índios, no começo do século XX. Por mais que a gente possa problematizar essas imagens. A memória não está ali pronta. É um material que a gente tem que trabalhar de variadas maneiras. No Brasil, já é difícil a preservação. Muita coisa já se perdeu. E, de repente, se você queima isso, você não pode mais reconfigurar as coisas. Potencialmente, você acaba com essa multiplicidade de possibilidades.

A senhora lembra do exato momento em que recebeu a notícia do fogo no galpão da Cinemateca? O que sentiu naquela hora?
Recebi a notícia por mensagem de uma amiga, Patrícia Machado, da PUC-Rio, que trabalha com imagens de arquivo. Ela estava em estado de choque. Eu lembro que falei: “Não, não é possível”. Mas é possível. Neste governo, as notícias terríveis são tão cotidianas...

A cinemateca já pegou fogo antes. Houve um grande incêndio em 1957...
n Agora é diferente dos anos 1950, porque hoje a gente tem mais consciência da preservação. É um momento muito particular, de ter um presidente partidário da necropolítica, no sentido amplo. Não só em deixar morrer uma boa parte da população, seja por covid-19, seja por pobreza. Isso inclui também a memória do Brasil. A situação estava complicada na Cinemateca há muitos anos. Mas as coisas estavam funcionando até o Bolsonaro ser eleito. Não existe nenhuma empatia dele com nada que acontece no Brasil de trágico. É um projeto mesmo de incendiar, de acabar. A Cinemateca é muito simbólica disso.

O que fazer para impedir mais destruição na Cinemateca?
Claro que precisa ter uma política de longo prazo, independentemente de governos, precisa de mais verbas. No atual momento, é política de redução de danos. É o possível. E o mais rápido possível. Ainda há muitas outras coisas com potencial não só de serem queimadas, mas de serem perdidas por falta de preservação. Espero que consigam fazer esse deslocamento (da gestão) para o governo do estado ou que volte a ser da associação dos amigos da Cinemateca. Ela passou a ser subordinada ao Ministério da Cultura, quando o governo estava interessado em investir em Cultura. Mas, com a mudança de governo, isso é terrível.

Por que os bolsonaristas odeiam tanto a Cultura e a Ciência?
São milhares de razões. Há uma guerra cultural em curso. O governo Bolsonaro declarou guerra contra qualquer coisa que seja crítica, libertária e criativa. A cinemateca é simbólica disso tudo. Uma guerra que não é só no Brasil. Mas, no Brasil, as coisas são mais toscas, mais caricaturais.

O que se perdeu?
Ainda estão fazendo o levantamento. O mais importante é toda a memória de algumas instituições federais de fomento ao cinema, como a Embrafilme. Toda memória que se tem de todas as produções feitas por esta instituição tão importante foi queimada.

Qual sua relação com a cinemateca?
Já frequentei vários festivais de cinema lá ou seminários acadêmicos. Existe uma associação acadêmica, a Socine, a Sociedade Brasileira de Estudos de Cinema e Audiovisual, que muitas vezes fez suas reuniões na Cinemateca. Quem trabalha com cinema, na academia ou na prática, frequenta ou frequentou a Cinemateca em algum momento da vida. Em 2009, ganhei um edital do ministério da cultura para fazer um curta-metragem sobre as babás. Além de falar daquele momento no Brasil, poucos anos antes da regulamentação da profissão das empregadas domésticas, havia essa pesquisa. Eu queria buscar imagens nos arquivos familiares e nos arquivos públicos. Vim a São Paulo (Nota da Redação: a professora estava na capital paulista, quando concedeu esta entrevista). As funcionárias que me atenderam foram absolutamente ágeis e competentes. Fizeram uma seleção de materiais. Fiquei dois, três dias assistindo a imagens dos anos 1910, 20 e 30 e consegui imagens muito legais.

Como essa sua experiência ajuda a explicar a importância da Cinemateca?
Eu encontrei imagens, mas não com essa rubrica “babás” ou “trabalho doméstico”. As famílias com posse compraram câmeras e filmaram batizados, casamentos. E essas pessoas que eram tão presentes no cotidiano das famílias apareciam tão pouco. O fato de os negros aparecerem tão pouco nessas imagens é um dado a ser trabalhado. O que essas imagens não revelam também é fundamental, mas elas precisam existir.

Por que a UFRJ ainda não tem um curso de graduação de cinema?
Precisamos de uma reestruturação maior. De mais equipamento, de mais técnicos. Temos aula de roteiro, de edição, de montagem, mas não conseguimos organizar algo como existe na USP ou na UFF. Vamos continuar nesta batalha, mas agora é tentar se manter de pé com o que é possível. Depois, a gente volta a tentar avançar nestas questões.

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