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“A eleição que vamos viver tem uma dimensão de confronto entre democracia e barbárie. Seja qual for o resultado, todo nosso empenho deve ser em defesa da democracia e das liberdades que ela assegura, como a liberdade de expressão e de manifestação”. A opinião é de Maria Paula Araújo, professora do Instituto de História e diretora da Adufrj. A docente cobra uma aliança de todas as pessoas, forças políticas e partidos comprometidos com um programa democrático. Segundo ela, a importância do processo eleitoral deste ano está no fato de o candidato mais bem colocado nas pesquisas apresentar um discurso que colide com os princípios da Constituição: “Bolsonaro diz publicamente que vai armar pessoas, que a ditadura foi uma coisa boa. A forma como ele trata as mulheres e a população LGBT demonstra que não tem apreço pelos direitos conquistados”. Mesmo a liberdade de educar está no fio da navalha, diante do programa Escola sem Partido, defendido pelo candidato do PSL. É o que afirma o professor Ricardo Castro, do Instituto de História da UFRJ: “Há uma onda conservadora, pelo menos desde 2013, fazendo uma guerra cultural contra o pensamento crítico. Esse discurso semeia perseguição contra professores no exercício de sua função educativa”. De acordo com Castro, o Escola sem Partido se fantasia com uma perspectiva democrática, quando, na verdade, “atenta contra a liberdade de cátedra”. Diretor do Núcleo de Estudos de Políticas Públicas em Direitos Humanos da UFRJ, Vantuil Pereira também chama atenção para a importância do pleito deste ano: “Esta eleição coloca em xeque uma série de políticas de direitos humanos”, afirma. O diretor do NEPP-DH destaca ainda que qualquer candidatura do campo democrático deve sinalizar para o fim do teto de gastos que sufoca as políticas sociais. “O mais grave desta eleição é a produção de desinformação e a liberação dos discursos de ódio, sem consequência. Discursos que são intoleráveis num regime democrático”, diz a diretora da Escola de Comunicação, Ivana Bentes. Se é verdade que sempre houve fake news, até mesmo produzidas pela mídia tradicional, isso se massificou no ambiente digital. “Hoje, qualquer pessoa num grupo de whatsapp dissemina uma notícia sem nenhum tipo de contraditório. Não existe uma orientação de checagem de fatos. Nunca foi tão importante uma formação para a mídia”, afirma.

Fernanda da Escóssia e Silvana Sá

Sempre que as instituições fraquejam, a insegurança institucional cresce, e a democracia corre risco. É assim que pesquisadores da UFRJ e da Uerj analisam, não sem apreensão, o quadro institucional brasileiro e as perspectivas para o futuro do país. A jurista Margarida Lacombe Camargo, professora da Faculdade Nacional de Direito, vê mais que um cenário de crise. Ela afirma que há um colapso institucional. Crise, afirma, é um curto-circuito passageiro, enquanto o colapso se associa a um quadro de falência em altíssimo grau. “As instituições estão corrompidas, inclusive o Judiciário, o que é pior e mais grave”, analisa. “São instituições degeneradas, viciadas. O Judiciário, desenhado para ser neutro e aplicar normas, atua como ator político, estrategicamente”. A professora critica duas medidas recentes do Judicário: a quebra do sigilo da delação do ex-ministro Palocci e a proibição da entrevista do ex-presidente Lula. E diz que tal estratégia só se sustenta porque há respaldo nos meios de comunicação. Ao agir desse modo, afirma ela, o Judiciário dá um tiro no pé: “Isso pode dar margem a um tipo de governo que não seja com base em instituições, muito menos democráticas”. Sociólogo e professor do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Uerj, José Maurício Domingues atenta para as consequências de um quadro de instabilidade institucional. “Desde o governo Dilma a gente vê militares trazidos para o centro da política. Quando você tem instabilidade, começa a ver militares e Judiciário tomando mais vulto na política”, afirma. O risco é, segundo ele, “o sistema político acabar se desestabilizando novamente, e a gente ter uma resposta autoritária. Não necessariamente golpe militar. Mas um processo insidioso, mais discreto e que, no entanto, não deixa de ser importante”. A presidente da Adufrj, professora Maria Lúcia Werneck Vianna, alerta para a necessidade de, nos acordos para o segundo turno, garantir a estabilidade democrática. “A interrogação da governabilidade nos marcos da institucionalidade democrática estabelecida pela Constituição de 1988 se torna o ponto nevrálgico da agenda”, afirma. Especialista em Direito Constitucional, o diretor da Faculdade Nacional de Direito, Carlos Bolonha, aponta um desajuste de atribuições entre Legislativo e Executivo. “Há desequilíbrio nas funções e competências desses Poderes, mas não é um fenômeno unicamente brasileiro. O modelo está em crise no mundo”, comenta. A saída, segundo ele, deve levar em conta a reaproximação da sociedade com o Executivo, além de equilíbrio e convergência entre os Três Poderes. “Caso isto não ocorra, os direitos fundamentais e sociais ficarão cada vez mais frágeis, há ameaça ao princípio da igualdade. Por consequência, o projeto democrático fica comprometido”, alerta Bolonha.

Esquerda x direita. Fascismo x civilização. Liberalismo x comunismo. Que sentimentos e ideias alimentam a atual polarização da sociedade brasileira? Para especialistas ouvidos pelo Boletim da Adufrj, o dissenso que se vê como inconciliável se associa menos a projetos ideológicos de país e mais a outras questões. Entre elas, a rejeição ao sistema político partidário, vitaminada por ideias conservadoras gestadas em vários setores da sociedade, e a recusa protagonizada pelo andar da cima da sociedade brasileira em dividir direitos mínimos — já que os privilégios permanecem quase intocados. A historiadora e cientista política Beatriz Bissio, professora do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais (IFCS), cita, ao analisar o momento atual, a célebre avaliação de Darcy Ribeiro de que o presidente João Goulart sofreu um golpe em 1964 não pelos seus erros, mas pelos seus acertos. “Toda a demonização dos governos do PT ocorre por seus acertos e não pelos seus erros – que foram muitos”, resume a professora. “O PT, mesmo com concessões neoliberais, iniciou um projeto para os mais desatendidos. Esse foi o pecado original para aqueles que sempre usufruíram do poder e comandaram o Estado a partir de seus próprios interesses”, completa. Para Bissio, o problema não é haver polarização, mas como e por que ela surge. “Poderia haver polarização alicerçada em um debate entre dois grandes projetos, tudo de modo legítimo”, afirma. Para a docente, porém, há pouco de racional e de discussão política na atual polarização — que não pode ser entendida, segundo ela, sem um retrospecto analítico sobre o impeachment contra a presidente Dilma Rousseff. Nesse processo, destaca Bissio, existem responsabilidades variadas, entre as quais ela destaca partidos que deram apoio ao impeachment, os meios de comunicação – “que entraram nesse barco, talvez como capitães” – e o Judiciário. A docente conclui que a atual divisão se sustenta numa falsa polarização. “Tal divisão se sustenta numa insistente ação de partidos e mídia em focar somente a parte obscura dos governos do PT, que lamentavelmente existiu”, afirma. Ivo Coser, professor e coordenador do Núcleo de Teoria Política da UFRJ, destaca, na eleição atual, o sentimento de rejeição de parte da sociedade ao sistema representativo político-partidário. E afirma que o candidato do PSL à Presidência, Jair Bolsonaro, é quem mais se beneficia do sentimento de rejeição da sociedade brasileira ao sistema político, porque se apresenta como o “antissistema”. “Uma parte significativa do eleitorado do Bolsonaro não está votando por saudade de 64. É uma minoria”, destaca. E segue: “Ninguém vai me fazer acreditar que uma juventude que vota no Bolsonaro faz isso porque leu tudo sobre 1964 e descobriu que era sensacional. Vejo esse sentimento de rejeição, que acabou fortalecendo o candidato que se diz contra o sistema, embora tenha nascido no sistema. Isso nós sabemos, mas os eleitores dele não”. Coser avalia que, caso Bolsonaro vença a eleição, grupos conservadores que o apoiaram vão cobrar a conta. Com isso, há risco de redução de direitos conquistados nos últimos anos, como a maior valorização das religiões afro-brasileiras. Diretor da Adufrj e professor do Instituto de Física, Felipe Rosa diz que o tensionamento da sociedade brasileira às vésperas da eleição é assustador: “Está caracterizada uma polarização de ódio e vingança que é altamente nociva, e realmente temo pela democracia se isso se prolongar até o ano que vem”.

Elisa Monteiro e Kathlen Barbosa

De trabalho a saúde, passando por segurança e envelhecimento, a eleição de 2018 toca em temas do cotidiano dos brasileiros – e também por isso é fundamental. O índice de desemprego supera 12%, mais do que o dobro do de 2013. “Quando você pensa no impacto social de 12 milhões de desempregados, fica fácil entender por que isso está na ordem do dia”, afirma o professor João Luiz Sabóia, do Instituto de Economia, que considera vagas as propostas dos presidenciáveis para o tema. A segurança ganhou contornos diferentes pela presença do candidato Jair Bolsonaro (PSL), capitão da reserva do Exército. “Ele encarna a ideia neofascista de que homens de bem podem se armar para matar criminosos impunemente”, diz o antropólogo Luiz Eduardo Soares. Para o ex-secretário de Segurança do Rio, uma vitória do candidato pode significar “um banho de sangue”: “Não precisa esperar a posse. Para setores que já exterminam jovens negros pobres nas periferias à margem da legalidade, a sinalização é de liberdade para matar em nome de suposta ordem”. PREVIDÊNCIA E SAÚDE Num país com população idosa crescente, o modelo de Reforma da Previdência castiga os idosos e a longevidade, que deveria ser uma conquista, avalia Denise Gentil, do Instituto de Economia. “Viver mais é decorrência do avanço tecnológico, das informa- ções, do saneamento básico. É uma conquista social”. A especialista avalia que os candidatos dissociam a questão demográfica de temas como emprego, educação e salário. “Essas forças asseguraram que trabalhadores ativos tenham salários melhores e contribuam para o melhor padrão de vida dos idosos”, explica a docente. Já os economistas Margarida Gutierrez e Carlos Frederico Leão concordam que, em longo prazo, o aumento do tempo de contribuição será inevitável. Para a vice-presidente da Adufrj e pesquisadora em saúde coletiva, Ligia Bahia, as eleições serão decisivas. “Temos uma candidatura (Haddad) que se compromete com aumento de recursos para a saúde e outra (Bolsonaro) que diz que tem dinheiro demais na saúde e vai cortar despesas. Isso é uma tragé- dia, porque temos um volume pequeno de despesa com a saúde, insuficiente para termos um sistema universal”, completa.

Elisa Monteiro e Larissa Caetano

Selvageria financeira ou iniciativas mais flexíveis para o acerto das contas e a retomada do crescimento. Na avaliação da professora Denise Gentil, do Instituto de Economia (IE), dois projetos bem diferentes disputam os rumos do país na eleição. O candidato líder nas pesquisas, Jair Bolsonaro (PSL), promete ajuste fiscal duro, centrado no corte de investimentos. Já os dois candidatos que disputam a segunda vaga no segundo turno, Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT), prometem derrubar a Emenda 95, do Teto de Gastos, com um ajuste fiscal menos severo. Gentil, professora de macroeconomia, classifica como “ortodoxo” o ajuste da equipe de Bolsonaro. “O equilíbrio fiscal seria alcançado com corte de gastos e amplo processo de privatizações e concessões”, explica. Para eliminar o déficit primário no primeiro ano e reduzir a dívida pública, “o que teremos, na prática, será a política já praticada desde 2016 pelo governo Temer. Só que radicalizada”, acrescenta. Para a docente, a proposta gera baixo crescimento econômico: “Em seu conjunto, as propostas de Bolsonaro apontam para uma selvageria financeira, com as consequências sociais: desemprego, precarização de salários, aumento da pobreza e violência”. Também professor do IE, João Luiz Sabóia critica as propostas dos candidatos para um dos maiores problemas da atual crise: o desemprego que afeta mais de 12 milhões de pessoas. “O impacto social é gravíssimo. Todos os candidatos falam em criar empregos, mas não vejo nada de concreto”. Segundo Sabóia, a melhor política contra o desemprego é o crescimento econômico, com investimento e gastos públicos. “Se crescermos 1% ou 1,5% como previsto, o desemprego cairá de 12 milhões para 11 milhões em um ano. Não é um ritmo razoável”. ESTADO DE BEM-ESTAR Na visão do professor Carlos Frederico Leão Rocha, do Instituto de Economia, o grande desafio para os presidenciáveis será um ajuste fiscal compatível com o Estado de bem-estar. “As propostas de Ciro e Haddad lidam com o aumento da taxação, principalmente lucros e dividendos, e uma redução das desonerações fiscais. Eles se colocam a favor da consolidação do Estado de bem-estar, que começou a ser montado na Constituição de 1988”. No outro extremo, a proposta de Bolsonaro é lidar com a Emenda cortando despesas públicas. “Ele partirá para uma redução dos limites mínimos constitucionais para Saúde e Educação e, no que se refere ao corte de gastos, chegamos ao nível de inviabilização do Estado”, afirma Rocha. CONFIANÇA OUTRA VEZ Para o país sair da crise, é fundamental recuperar a confiança econômica, avalia a professora Margarida Gutierrez, do Coppead/UFRJ. “O Brasil continua um país rico com grande potencial produtivo, hoje, ocioso. E está com a inflação controlada”, completa. Margarida Gutierrez destaca que investimentos em educação, ciência e inovação tecnológica são estratégicos para aumentar a capacidade produtiva do país. Mas diz que não se trata apenas de mais dinheiro e sim “de tornar as áreas mais eficientes”. Ela afirma que, apesar de complexo, o sistema tributário deve ser enfrentado: “O imposto sobre produção e consumo é injusto e penaliza os mais pobres”.

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