Recentemente, o conselho de administração da Petrobras, negligenciando os efeitos danosos da volatilidade no preço do petróleo para a atividade econômica, decidiu manter os preços dos combustíveis alinhados com os preços dos derivados no mercado internacional, independentemente dos custos de produção da companhia. Com essa política, a empresa passou a repassar os riscos econômicos da volatilidade dos preços para os consumidores com o objetivo de aumentar os dividendos de seus acionistas. A crise provocada pela reação dos caminhoneiros a essa política é fruto desse grave equívoco.
Para superar essa crise, é indispensável rever essa política. No entanto, o governo decidiu preservá-la, propondo um subsídio para o diesel com reajustes mensais no seu preço. O governo estima que essas medidas custarão R$ 13 bilhões aos cofres públicos até o final do ano, dos quais mais de R$ 3 bilhões serão gastos para subsidiar o diesel importado O ministro Guardia justificou essa medida econômica heterodoxa como necessária para preservar a competitividade do diesel importado.
O Brasil importou 25,4 milhões de barris de gasolina e 82,2 milhões de barris de diesel no ano passado, porém exportou 328,2 milhões de barris de petróleo bruto Na prática, esse petróleo foi refinado no exterior para atender o mercado doméstico, deixando nossas refinarias ociosas (31,9%) em março de 2018. Nesse processo, os brasileiros pagaram os custos da ociosidade das refinarias da Petrobras e aproximadamente US$ 730 milhões anuais pelo refino de seu óleo no exterior. Não é racional que o Brasil subsidie diesel importado para absorver a capacidade ociosa de concorrentes comerciais. A Petrobras foi criada para garantir o suprimento doméstico de combustíveis com preços racionais. Não é razoável que o presidente da Petrobras declare que o petróleo produzido no Brasil é rentável a US$ 35 dólares/barril e proponha oferta-lo aos brasileiros a US$ 70/barril.
O financiamento à pesquisa no Brasil está estagnado, em torno de 1% do PIB, o que ameaça as conquistas já alcançadas e mina o desenvolvimento do país, critica o professor Luiz Davidovich, presidente da Academia Brasileira de Ciências. Confira o artigo “Qual é o propósito da Ciência”, publicado originalmente no blog Ciência & Matemática, de Claudio Landim.
Uma teoria com beleza matemática é mais provável de ser correta do que uma teoria feia que concorde com alguns dados experimentais. (Paul Dirac, 1902-1984)
No início do século 20, um grupo de jovens provoca uma revolução na ciência, ao formular uma teoria que se afasta radicalmente dos conceitos clássicos: a física quântica. Surge então uma nova visão da natureza: a luz comporta-se ora como ondas, ora como se fosse constituída de corpúsculos; átomos e elétrons poderiam também ter comportamento típico de ondas. O primeiro vislumbre aparece com os trabalhos de Max Planck, em 1900 e de Albert Einstein , em 1905. Os jovens responsáveis por essa reviravolta conceitual não tinham nenhuma ideia sobre possíveis aplicações dessa nova física: movia-os a curiosidade e a paixão pelo conhecimento.
Cem anos depois dos trabalhos de Planck, um artigo publicado na revista “Scientific American” pelos físicos norte-americanos Max Tegmark e John Archibald Wheeler mostrava que, no ano 2000, cerca de 30% do Produto Interno Bruto (PIB) norte-americano eram baseados em invenções tornadas possíveis pela física quântica, de semicondutores em chipsde computadores a lasers em reprodutores de CDs e DVDs, aparelhos de ressonância magnética em hospitais, e muito mais.
A história é rica em exemplos de descobertas em ciência básica, movidas pela curiosidade, que acabaram provocando grandes transformações no quotidiano da humanidade. Assim foi com a eletricidade, explorada em experimentos pelo grande físico britânico Michael Faraday. Foi ele quem descobriu, em 1831, que uma corrente elétrica era produzida em um fio de cobre, ao movê-lo em um campo magnético — descoberta que deu origem aos geradores de energia elétrica. Questionado pelo então Ministro das Finanças britânico, Sir William Gladstone, sobre a utilidade do efeito que acabara de descobrir, Faraday responde: “Há uma alta probabilidade, Sir, que em breve o senhor poderá taxá-la”.
Também no Brasil, a ciência teve um retorno fantástico: aumentou enormemente a eficiência da agricultura, tornou possível a extração de petróleo do pré-sal — hoje mais que 50% da produção brasileira —, permitiu o enfrentamento de epidemias emergentes, o enriquecimento de urânio para centrais nucleares e o aparecimento de diversas empresas de alta tecnologia com protagonismo internacional.
Hoje em dia, a velocidade crescente do avanço científico e tecnológico diminui a distância entre descobertas de ciência básica e suas aplicações. Por isso mesmo, em 2012, em meio à crise global que afeta a taxa de crescimento de sua economia, a China aumenta em 26% os recursos para pesquisa básica. A União Europeia planeja alcançar, no ano 2020, 3% do PIB em pesquisa e desenvolvimento. Coréia do Sul e Israel já ultrapassam os 4% do PIB. Enquanto isso, o financiamento à pesquisa no Brasil está estagnado, em torno de 1% do PIB, o que ameaça as conquistas já alcançadas e mina o desenvolvimento econômico e social do país.
Mas a ciência não deve ser justificada apenas em função de suas possíveis aplicações. Se assim fosse, como entender o entusiasmo em torno do anúncio, em 2016, da detecção de ondas gravitacionais produzidas por uma colisão de buracos negros, ocorrida há mais de um bilhão de anos atrás, motivo de manchetes de jornais em todo o mundo e do Prêmio Nobel de Física em 2017? Como entender a fascinação provocada pela descoberta de um novo elo na evolução da espécie humana?
A curiosidade está inscrita no DNA humano. Trata-se de buscar respostas para questões fundamentais: quem somos, de onde viemos, qual o nosso lugar no Universo. A busca pelo desvelamento dos enigmas da natureza está intimamente ligada ao senso de beleza, que justifica a frase do grande físico Paul Dirac e é fundamental para o propósito humano. Einstein dizia que “A coisa mais bela que podemos experimentar é o misterioso. Essa é a fonte de toda verdadeira arte e toda a ciência. Aquele para quem essa emoção é estranha, aquele que não pode mais fazer uma pausa para refletir e ficar absorto em admiração, está praticamente morto: seus olhos estão fechados”.
Einstein dizia também que “o eterno mistério do mundo é sua compreensibilidade”. Está aí talvez o grande enigma da ciência, aquele que une de forma indissolúvel o Universo com aqueles que o observam: através da ciência, o Universo é descrito por uma parte sua, a chamada “vida inteligente”, que obsessivamente procura entender os mistérios do mundo em que vive e as respostas para sua própria existência.
Luiz Davidovich é Professor Titular do Instituto de Física da Universidade Federal do Rio de Janeiro e Presidente da Academia Brasileira de Ciências
(Blog Ciência & Matemática, de Claudio Landim / jornal O Globo, 29/5)
Leia mais: Cortes em Educação, Saúde e C&T ameaçam futuro do país
NOVOS CORTES EM EDUCAÇÃO, SAÚDE E CIÊNCIA E TECNOLOGIA ATINGEM QUALIDADE DE VIDA DA POPULAÇÃO E AMEAÇAM O FUTURO DO PAÍS
Manifestação de entidades científicas e acadêmicas nacionais
Um orçamento para Educação, Saúde e Ciência e Tecnologia já depauperado pelos cortes ocorridos nos últimos anos e, particularmente, pelo montante já aprovado para 2018, é agora atingido por cancelamentos de recursos, que já haviam sido aprovados pelo Congresso Nacional, por meio da Medida Provisória 839/2018 do governo Temer.
Os novos cortes atingem instituições e programas fundamentais para o futuro do país e a qualidade de vida de sua população:
1. CNPq – prejudicando a formação de recursos humanos;
2. Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT) – afetando o fomento à pesquisa e à inovação tecnológica, em empresas inovadoras e instituições de ciência e tecnologia;
3. MEC – prejudicando a concessão de bolsas para estudantes de Instituições de Ensino Superior;
4. Ministério da Saúde – atingindo importantes programas da Fiocruz e prejudicando o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS);
5. Programas de Educação do Campo (INCRA) e Educação e Formação em Saúde (Fiocruz, Funasa e Fundo Nacional de Saúde);
6. Fundo de Universalização das Telecomunicações (FUST) – afetando serviços que visam atender a população excluída do mercado, primordialmente nas áreas de educação, de saúde, de segurança e as bibliotecas em regiões remotas e de fronteira;
7. EMBRAPA – prejudicando pesquisas que agregam valor à produção agrícola e beneficiam a segurança alimentar e a pauta de exportações do país;
8. INMETRO – atingindo programa de fiscalização em metrologia e qualidade.
A ausência de uma agenda de desenvolvimento nacional e as políticas que priorizam a remuneração do capital financeiro penalizam setores essenciais do país e o condenam a uma crise permanente, ao aumento da desigualdade econômica e social e a um papel marginal no cenário internacional.
Neste momento, inicia-se também a elaboração do projeto de lei orçamentária para 2019, que será encaminhado pelo governo ao Congresso Nacional para discussão e aprovação.
É imprescindível que os parlamentares revertam esse quadro trágico, referente ao Orçamento da União, à MP 839/2018, e ao persistente contingenciamento de recursos, de modo a dar à educação, à saúde, e à ciência, tecnologia e inovação o papel que precisam ter como pilares essenciais de um projeto sustentável de desenvolvimento econômico e social que reduza as desigualdades, agregue valor à produção e à pauta de exportações e fortaleça a democracia, a soberania e o protagonismo internacional do país.
04 de junho de 2018.