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Cada vez mais professores começam a celebrar os ganhos da ação movida pela AdUFRJ em relação aos 3,17%, um índice de reajuste salarial devido aos servidores federais entre janeiro de 1995 e dezembro de 2001. Os valores recebidos são corrigidos pela inflação desde então.
“Foi uma surpresa muito boa. É sempre bom receber um dinheirinho extra”, comemorou a professora Cenira Barroso, aposentada da Escola de Química. Ex-diretora da unidade, a docente foi uma das 1,1 mil pessoas que tiveram o processo ajuizado pelo sindicato desde julho do ano passado.
A ação coletiva transitou em julgado, mas a Justiça determinou que o pagamento dos valores seja feito através de processos individuais. Cenira foi uma das primeiras a assinar, em agosto de 2023, a procuração disponibilizada pelo setor jurídico da AdUFRJ. Em outubro deste ano, passou a contar com o recurso aplicado na conta. “O dinheiro fica a postos para qualquer eventualidade”, afirma.
Professor aposentado da Faculdade de Medicina, Antonio Issa entregou a procuração em setembro de 2023 e, passado um ano, também recebeu o pagamento da ação. “Óbvio que gostei muito. Um dinheiro que entrou na conta ninguém reclama”, brinca. Depois, sério, elogia a ação da AdUFRJ: “O sindicato sempre foi muito atuante e confiável”.
Mas se o processo coletivo já está ganho, por que os professores estão demorando um ano ou mais para receber o pagamento? É o que esclarece o assessor jurídico do sindicato, Renan Teixeira: “O processo se divide em duas fases, a de discussão de direito e a de discussão de valores. A primeira já foi ganha. Ou seja: todos os professores que estão na lista enviada pela UFRJ, disponível no sindicato, têm direito aos valores”.
Após a discussão do direito — que demorou anos —, inicia-se a fase de definição dos valores, que deve ser ajuizada por cada professor, por determinação judicial. Depois de iniciado o processo individual, o juiz determina que a universidade se manifeste para apresentar o valor devido, no prazo de 60 dias. “Após apresentado, mandamos para o nosso contador verificar. Até aqui, 100% dos casos estiveram corretos e concordamos. Só então o juiz homologa e determina a ordem de pagamento”.
Os valores devidos também influenciam no prazo de pagamento. “Aqueles abaixo de 60 salários mínimos (R$ 84.720) são pagos em até 60 dias corridos a partir da ordem de pagamento. Acima disso, entram na modalidade do precatório federal. Os precatórios inseridos no sistema até o dia 2 de abril de cada ano são pagos somente com o orçamento do ano seguinte”, informa o advogado.
E por que um professor que protocolou antes de um colega que recebeu ainda pode estar na fila de espera? “Ajuizamos os processos na ordem de envio da procuração. Mas cada processo, por sorteio, pode ser distribuído por mais de 30 varas federais, com juízes e acúmulos de trabalho diferentes. Portanto, pode haver esta diferença de andamento”, acrescenta Renan.
A AdUFRJ tem divulgado a ação dos 3,17% no jornal, nas redes sociais, no seu grupo de transmissão via Whatsapp (( 21) 99365-4514) ou por e-mail. Ainda assim, quase dois mil professores ainda precisam assinar a procuração disponibilizada pelo sindicato. E, como alerta o assessor jurídico, este numeroso grupo precisa se apressar.
O prazo final para ingresso desta ação é março de 2025. “A prescrição de ações contra a Fazenda Pública é de cinco anos. No final de 2022, a juíza determinou o arquivamento da ação coletiva e que cada professor buscasse seu direito individualmente. A partir de então, o prazo voltou a correr pela metade, ou dois anos e meio. O que nos leva a março de 2025”, afirma Renan.
Todos os professores que estavam na carreira (mesmo aposentados) entre janeiro de 1995 e dezembro de 2001 podem entrar em contato com o sindicato pelo número de Whatsapp (21) 99808-0672 ou pelo email Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo. para verificar se têm direito ao ganho judicial e assinar a procuração (veja como no quadro).
CUIDADO
É importante ter cuidado com golpistas e só se comunicar com a AdUFRJ pelos canais oficiais divulgados acima. “Nem o sindicato nem o setor jurídico pedem adiantamento de custas a respeito do assunto. Nossos honorários são sobre o êxito. Só ganhamos se o professor ganhar. Essa história de que precisa pagar custas de perito para receber valores é golpe”, diz Renan. Filiados pagarão 10% das custas; não filiados, 20%.
COMO ASSINAR A PROCURAÇÃO
A.
Após a verificação de que o professor tem direito, a procuração pode ser obtida de diversas formas:
- O documento pode ser solicitado no Whatsapp da AdUFRJ: (21) 99808-0672, pelo email Este endereço de email está sendo protegido de spambots. Você precisa do JavaScript ativado para vê-lo.,
na própria sede do Sindicato, ou pelo site da entidade, na aba “serviços” e clicando em “atendimento jurídico”.
B.
É possível fazer o preenchimento de duas formas:
- Ela poderá ser impressa, preenchida, assinada e encaminhada de volta escaneada, pelo email ou pelo Whatsapp citados acima.
- Ou, ainda, mediante a utilização de assinatura digital. A assinatura digital pode ser feita através do sistema interno do servidor ou, ainda, pela assinatura do SOUGOV, disponível no site do Governo Federal através de login e senha. É necessário cadastro.
C.
Também é preciso encaminhar: identidade e comprovante de residência.
ORIGEM DOS 3,17%
Em 1994, uma lei estabeleceu que todo o funcionalismo deveria receber reajuste, a partir do início de 1995, de acordo com dois parâmetros: o primeiro seria o Índice de Preços ao Consumidor em Real, baseado entre a emissão da nova moeda, o Real, em julho e dezembro daquele mesmo ano. O segundo critério previa que, caso o valor pago a título de remuneração no mês de dezembro de 1994, fosse menor do que a média dos valores pagos durante todo o ano — o cálculo levava em conta uma conversão para a extinta Unidade Real de Valor (URV) —, o reajuste também deveria ser composto por essa diferença. Entretanto, o governo federal não aplicou o segundo parâmetro, que resultava justamente nos 3,17%.
O ano de 2024 já está marcado como o que mais registrou denúncias de violência política de gênero no Brasil. Há casos em todos os estados e também no Distrito Federal, com destaque para a Região Sudeste, que concentra quase 40% das agressões. Para se ter uma ideia, o Disque 100, serviço do Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania, recebeu este ano 584 denúncias de violência política contra mulheres. Em 2022, ano também eleitoral, esse número foi de 354 denúncias.
A intimidação e a ameaça são outras formas tristemente comuns de violência a mulheres na política. Primeira deputada trans da Alerj, Dani Balbi (PcdoB-RJ) denunciou publicamente, no dia 3 de outubro, uma ameaça recebida por e-mail anônimo. A agressora (supostamente uma mulher branca e cisgênero), além de dizer que atentaria contra a vida da parlamentar, proferiu insultos transfóbicos.
EXPLOSÃO DE CASOS
Na primeira edição da pesquisa “A violência política e eleitoral no Brasil”, das ONGs Terra de Direitos e Justiça Global, lançada em 2020, as mulheres ocupavam 13% das vagas nas casas legislativas municipal, estadual e federal, mas representavam 31% das vítimas de ameaça e 76% das vítimas de ofensas.
Já na segunda edição da pesquisa, em 2022, o percentual de mulheres nos espaços legislativos subiu para 16%. O aumento tímido da participação feminina foi acompanhado de um crescimento substancial na violência. As mulheres foram 56% das vítimas de ameaças e 75% das vítimas de ofensas. Mulheres negras foram vítimas de 23% dos casos de violência política no país.
Os dados preliminares já divulgados pelas ONGs da pesquisa que será lançada este ano também apontam o agravamento da violência política de gênero. Se na edição de 2022 as mulheres foram vítimas de 42% dos casos de violência, a edição de 2024 indica um crescimento para 46% do total de casos.
Com 518 ocorrências, o ano de 2024 se mostra como o mais violento da série histórica produzida pelas duas organizações.
NÃO SÃO SÓ NÚMEROS
Por trás dos dados há muitas histórias. Tristes exemplos de como uma democracia não deve se comportar. O Ministério Público Federal acompanha 11 casos de violência a candidatas que disputaram a eleição deste ano. O mais grave, um estupro contra Lili Rodrigues, do PSOL, candidata a vice-prefeita de Porto Velho. Ela foi violentada a dois dias do pleito. A vítima registrou boletim de ocorrência e realizou exames e procedimentos médicos, incluindo corpo de delito e profilaxia após violência sexual. A Polícia Civil investiga o crime.
A poucos dias do primeiro turno, a vereadora Tainá de Paula (PT-RJ), então candidata à reeleição, sofreu um atentado a tiros em Vila Isabel, Zona Norte do Rio. Dois homens armados dispararam duas vezes contra o veículo em que a parlamentar e sua equipe estavam. Não houve feridos, pois o carro era blindado. A Polícia Civil afirmou em nota que descarta motivação política, mas segue investigando o caso. Tainá foi reeleita.
Outra parlamentar que enfrenta cotidianamente a violência política é a deputada estadual Marina do MST (PT-RJ). O episódio mais emblemático aconteceu em agosto do ano passado. Enquanto tentava realizar uma plenária de prestação de contas de seu mandato em Lumiar, em Nova Friburgo (RJ), a deputada sofreu ameaças e agressões físicas e morais. “Eu me senti violentada, ofendida, discriminada. Se eu não fosse do movimento social, se eu não fosse mulher, se eu não fosse negra, eu não teria sofrido aquele grau de violência”, destaca a deputada. O Ministério Público do Estado denunciou oito pessoas envolvidas nas agressões.
“A violência de gênero na política é quase uma questão cultural, tão forte é o machismo e o patriarcado do nosso país”, avalia Marina. “É um tema que devemos enfrentar, a começar pelos espaços nos quais participamos, na academia, nos partidos políticos,e também nos movimentos sociais, já que não se trata de uma exclusividade da extrema direita. A esquerda também não está livre disso, pois a violência de gênero é algo estrutural da nossa sociedade”, afirma.Vice-presidenta da AdUFRJ, a professora Nedir do Espirito Santo viveu na pele uma situação de violência política de gênero num espaço de articulação de esquerda. No 67º Conad do Andes, a docente foi a única pessoa nominalmente citada em um texto. Apesar de mencionada caluniosamente, a docente não teve direito à defesa. “O Conad debate temas políticos do nosso sindicato nacional. Ao invés de o texto citar a institucionalidade, citou nominalmente uma pessoa, de forma caluniosa e descontextualizada”, lamenta Nedir.
“Eu fui acusada de marginalizar o movimento estudantil. Covardemente, nenhuma das pessoas que escreveu o texto foi defendê-lo no plenário, de forma que eu não pude me defender”, critica a professora. “Fui silenciada. Como uma instituição permite que uma pessoa seja caluniada e não dá voz para que ela se explique?”, questiona.
POR QUE ACONTECE
Presidenta da AdUFRJ e pesquisadora do tema, a cientista política Mayra Goulart, professora do IFCS, afirma que os inúmeros casos de violência política de gênero no Brasil têm uma única raiz: o patriarcado. “Esse sistema social e político funciona para manter as hierarquias consolidadas. Essas hierarquias se estruturam a partir de relações econômicas, mas que têm clivagens de gênero e raça”, explica. “No topo dessa hierarquia está o homem branco, hétero e cis de classe alta. Tudo o que discrepa dessa hegemonia sofre violência, porque ameaça prerrogativas estabelecidas”, analisa a pesquisadora. “Quanto mais afastada desse perfil hegemônico, mais agressões a pessoa sofrerá”.
Mayra Goulart também acredita que o fortalecimento de movimentos conservadores de extrema direita contribui para que mais mulheres sofram mais violência política. “O conservadorismo, como o próprio nome diz, prega a manutenção, a conservação do patriarcado. Então, quanto mais ele é aceito e reivindicado por pessoas e grupos, mais aceitas – e até mesmo estimuladas – são essas violências”, avalia Mayra.
Doutoranda do Centro de Estudos Interamericanos da Universidade de Bielefeld, na Alemanha, Lívia de Souza Lima pesquisa a atuação de mulheres negras na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Durante suas observações, ela compreendeu que precisaria falar sobre violência política de gênero e raça. “Não foi algo que era prévio, surgiu a partir das observações, do que essas mulheres enfrentam exercendo seus mandatos”, afirma.
Para a pesquisadora, é preciso compreender a razão de um corpo ser previamente sujeito a ataques. “A violência política de gênero é um contíguo da violência de gênero. Há uma condição subalternizada da mulher na sociedade e a política, como espaço de poder, vai ser refratária a diversos grupos considerados minoritários ou marginalizados”, avalia. “A violência, então, serve para barrar a expansão desses grupos”.
DESLEGITIMAÇÃO
De acordo com Lívia, homens e mulheres sofrem violência política, mas a forma como essa violência se manifesta vai depender do gênero da pessoa agredida. Em geral, mulheres são sempre deslegitimadas e atacadas com desqualificações pessoais. “Por exemplo, mulheres negras são excluídas de espaços por onde circulam parlamentares homens, porque há um imaginário social que diz que aquele não é o lugar delas”, avalia. “Mulheres têm sua capacidade técnica questionada, são silenciadas, são colocadas como arrogantes quando reivindicam sua capacidade técnica”, exemplifica.
O exemplo maior da violência política de gênero no Brasil é o assassinato da vereadora Marielle Franco, em 2018. “Por que o corpo da Marielle se torna matável?”, questiona Lívia. “Quais são os cálculos políticos que levam ao entendimento de que aquele assassinato terá as mínimas consequências possíveis?”.
Deputada estadual e pesquisadora, Renata Souza (PSOL) é ex-assessora de Marielle e foi quem primeiro enxergou que o assassinato da parlamentar tinha relação direta com seu gênero. Foi quando, ainda em 2018, ela cunhou o termo ‘feminicídio político’. “A escalada dessa violência de gênero é justamente o feminicídio político, é o grau máximo dessa violência”, afirma a autora do termo. “Por que as mulheres na política são mortas? Pela sua condição de gênero atravessada por outras questões sociais”, explica Renata. “E não falo só da política institucional, mas de todos os espaços em que mulheres exerçam política”, diz.
Ela dá alguns exemplos. A juíza Patrícia Acioli, assassinada em 2011, é um deles. “O fato de ela ser mulher criou essa condição institucional de estar sem escolta”, diz. Mãe Bernardete, liderança quilombola na Bahia, é outra. “Foi morta fazendo a luta pela terra, na frente de seus netos, com tiro no rosto que configura o ódio, a misoginia”.
A parlamentar também é vítima de violência política de gênero desde antes de assumir seu primeiro mandato como deputada estadual, em 2018. “No dia seguinte à eleição, as minhas redes foram atacadas. As pessoas me chamavam de macaca e diziam que eu teria o mesmo fim de Marielle”, conta. “Ali, eu entendi que seria preciso pensar na minha segurança pessoal para conseguir assumir o mandato”, lembra. “Tudo isso, não tenho dúvidas,é um atentado à democracia”.
ALTERNATIVAS
Não há segredo para combater a violência de gênero. O caminho passa, necessariamente, por conscientização, educação e judicialização com punição. “Uma é a via institucional, com punição para aquilo que é crime, e criação de regras que estimulem representação de minorias”, aponta Mayra Goulart. “A segunda via é a conscientização, com criação de processos de comunicação, diálogo e educação sobre a importância de superar o patriarcado”, conclui.
Lívia Souza concorda. “O marco legislativo é muito importante, pois ajuda que o tema seja tratado com institucionalidade. Mas não pode haver só o punitivismo. É preciso visibilizar o problema e ter um protocolo de enfrentamento, que ainda não conseguimos construir”, diz. “Precisamos entender o status da violência política de fato. A política é conflito, mas é preciso estabelecer os limites sobre o que é esperado na democracia e o que devemos considerar violência na política”.
DEPOIMENTO I
MARINA DO MST
DEPUTADA ESTADUAL (PT)
A violência política de gênero é um tema muito sério e importante de ser debatido pela academia, por partidos políticos e também pelos movimentos sociais, que é minha origem. É um tema que devemos enfrentar com organização popular, com formação política em todas as instâncias, sobretudo nos partidos políticos, inclusive os de esquerda, que também não estão livres disso, exatamente porque se trata de algo estrutural da nossa sociedade.
Acredito que há uma vinculação direta entre o aumento da violência com o fortalecimento da extrema direita nas Casas Legislativas. Houve um pequeno aumento do percentual de mulheres nas candidaturas e nos espaços legislativos, o que é um avanço importante, mas é preciso haver um preparo para lidar com o aumento da violência.
Eu fui atacada numa atividade de prestação de contas do mandato, em Lumiar. Fui agredida, impedida de exercer meu direito parlamentar de dialogar com a população. Não reconheceram meu papel. Também não há o reconhecimento nas casas legislativas dessas mulheres que estão exercendo seu mandato.
Eu acho que há um aumento dessa violência com o crescimento da extrema direita, mas há também reação. Surge uma série de movimentos para que haja denúncias e para que seja feita justiça.
Eu me senti realmente violentada, mas coletivamente nós enfrentamos os agressores e a plenária aconteceu. No pátio da polícia, mas aconteceu.
Eu me senti ofendida, atacada, violentada e discriminada. Se eu não fosse do movimento social, se eu não fosse mulher, se eu não fosse negra, eu não teria sofrido aquele grau de violência. Não tenho lugar para o ódio no meu coração, mas exijo que seja feita a justiça. O processo está andando. Alguns já vão pagar cestas básicas e oito réus vão a julgamento.
Infelizmente, vivemos um rebaixamento da política na Alerj e em outros espaços legislativos. Homens e mulheres parlamentares que têm em seus projetos o desejo de fazer política de fato são atacados. Estou vindo do plenário. Havia na pauta um projeto meu para que o governo do estado possa desenvolver políticas de acolhimento para pessoas vítimas de trabalho análogo à escravidão, com acesso à saúde, habitação. São poucas as vezes em que há um projeto importante na pauta. A saída para esse duro cenário deve ser coletiva e passar por punição e educação.
DEPOIMENTO I
RENATA SOUZA
DEPUTADA ESTADUAL (PSOL)
Ser da favela causa um nível de criminalização muito violento, que se alia à misoginia e ao racismo. São elementos que se agrupam e levam a sociedade quase que referendar que uma mulher da favela está necessariamente ligada ao crime. E isso aconteceu com a Marielle. Houve até o caso de uma desembargadora que tentou associá-la a facções criminosas.
Eu fui vítima de violência de gênero no dia seguinte das eleições de 2018. Eu vinha de uma situação de chefe de gabinete da Marielle e fui eleita pra o primeiro mandato. Todas as minhas redes sociais foram atacadas. O número de seguidores aumentou de maneira absurda e aproveitaram para me atacar. As pessoas me chamavam de macaca e diziam que eu teria o mesmo fim de Marielle. Ali eu percebi que teria que pensar na minha segurança pessoal para conseguir assumir o mandato. A violência de gênero, portanto, tem recorte também de raça e de classe.
Infelizmente, sofri violência de gênero inclusive no plenário da Alerj, com injúrias e até mesmo intimidação física para me calar ao microfone. Tudo isso diante das câmeras.
Tive que me mudar muitas vezes. As últimas ameaças que recebi continham dados sensíveis e confidenciais, com nomes e informações pessoais da minha família. É muito sórdido!
A escalada da violência de gênero é justamente o feminicídio político, que é o grau máximo dessa violência. Por que as mulheres da política são mortas? Pela sua condição de gênero atravessada por outras questões sociais. E não falo só da política institucional, mas de todos os espaços em que mulheres exerçam política. A juíza Patrícia Acioli está incluída nesse conceito. Ela enfrentou o embrião da milícia de São Gonçalo e o fato de ser mulher criou essa condição institucional de ela estar sem escolta. Ela fazia parte de uma estrutura que deveria protegê-la e, ainda assim, teve sua segurança negligenciada. Mãe Bernardete, que foi morta fazendo a luta pela terra na Bahia, é outro exemplo. Foi assassinada na frente de seus netos, com tiro no rosto, que configura todo esse ódio, essa misoginia. Irmã Dorothy Stang, outro exemplo. Todas mulheres envolvidas com a transformação social, com a mudança significativa da sociedade. Lideranças com o poder de mudar a realidade local a partir de seu trabalho diário. Todas defensoras dos direitos humanos.
Ao olhar para esses casos, quase todos são de disputa por território, o que remonta a um Brasil que não resolveu sua questão agrária. E que está ligado, segundo ao que apontam as investigações, ao próprio caso da Marielle. Esse é um grande tema por trás da violência política de gênero. Muitas dessas lideranças agrárias são mulheres. Esse conceito do feminicídio político também se consolida por essa via. Ameaçar os filhos é outra face dessa violência direcionada às mulheres. A Mãe Bernardete teve um filho assassinado antes de ela própria ser executada.
O Brasil não tem nem 20% de participação feminina na política. O patriarcado impede que essas mulheres exerçam plenamente seu papel político. Mesmo entre as que assumem seus mandatos, a maior parte vem de uma herança patriarcal. Estão lá por conta de seus maridos, de seus pais, de seus avôs. Nós, que não herdamos essa estrutura, acabamos sendo mais vítimas de violência política de gênero. Quando uma mulher preta e favelada acessa espaços de poder, ela “ousa demais” dentro dessa lógica patriarcal. Tudo isso, não tenho dúvidas, é um atentado à democracia.
Foto: Kelvin MeloO professor emérito Gilberto Domont é uma inspiração que atravessa a história da UFRJ. Ingressou no curso de Química da então Universidade do Brasil, em 1954, ainda como aluno. Sete décadas depois e prestes a completar 90 anos, em 11 de novembro, o docente segue dando aulas no Programa de Pós-graduação em Bioquímica do Instituto de Química, realizando pesquisas e orientando alunos de mestrado, doutorado e pós-doutorado.
“Sou apaixonado pela profissão, pela Ciência. Não paro por causa disso. É um prazer enorme estar aqui”, afirma o mestre de tantas gerações.
Uma paixão que começou cedo, em casa, por influência da mãe Maria de Lourdes, professora primária da escola municipal Estácio de Sá, na Urca. E que depois ganhou força na Faculdade Nacional de Filosofia (FNFi) — hoje sede do IFCS/Instituto de História — da então Universidade do Brasil, na década de 50.
“Era um ambiente intelectual fortíssimo. Davam aulas lá César Lattes, Leite Lopes, Costa Ribeiro, Christovão Cardoso — que foi o primeiro diretor do Instituto de Química —, Manuel Bandeira, Maria Yedda Linhares e Anísio Teixeira, entre outros”, diz Gilberto, que fez curso técnico de Química Industrial antes de ingressar na universidade.
“Entrei na pesquisa pelas mãos dos professores João Perrone e Abrahão Iachan. Foram meus dois orientadores, os mentores que concederam minha primeira bolsa, de iniciação científica”.
O currículo, iniciado com aquela bolsa e atualizado em 22 de setembro, impressiona. Gilberto é um dos fundadores do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química em 1959 e, três anos depois, do Programa de pós-graduação em Bioquímica — o mais antigo do país na área de Ciências Biológicas. Integrante da Academia Brasileira de Ciências desde 1975, emérito em 1998, tornou-se o pesquisador responsável pela introdução da proteômica (estudo das proteínas) no Brasil. Criou a Sociedade Brasileira de Proteômica em 2012.
GENEROSIDADE
A história, com tantos títulos, poderia supor um professor sério, distante dos alunos, alguém se sentindo acima dos colegas. É o contrário, dizem os mais próximos. “O que me chamou muito a atenção no Gilberto é a simplicidade no trato com as pessoas. Ele é um cara afetuoso com todo mundo”, observa o professor Rogério Espíndola, da Coppe.
Os dois trocam ideias desde 2018. Um aluno de Gilberto precisava de uma modelagem que envolvia técnicas de inteligência artificial, área de expertise do docente da Coppe. “O comportamento nas discussões é sempre com humildade, querendo aprender. Isso é algo difícil. Normalmente, o que se vê são pessoas com currículo muito grande e já se sentindo acima dos demais. Ele é arrogância zero. Fora o brilhantismo científico dele. Ele é meu modelo”, completa Rogério.
Ajudar os jovens é praticamente uma missão para o (quase) nonagenário mestre. Que o diga o professor Fábio Nogueira, do Instituto de Química. “Sou de Fortaleza e, em 2003, o Gilberto organizou um curso nacional de proteômica, com convite para alunos de pós. Eu fazia iniciação científica na Universidade Estadual do Ceará, mas ele abriu esta exceção”, lembra.
Fábio e Gilberto hoje trabalham juntos na área proteômica — o estudo das proteínas pode ajudar a identificar a causa de uma doença em nível celular. Ou a prevenir casos graves. “Por exemplo, em uma célula cardíaca, extraímos as proteínas e identificamos com a espectrometria de massa. A célula sadia se expressa de uma forma equilibrada. A patologia aparece quando esse concerto não acontece”, explica o jovem colega.
A pesquisa da UFRJ na área tem prestígio internacional. O grupo coordenado por Gilberto é o único do país participando de um consórcio internacional para identificar as proteínas dos 23 cromossomos humanos. Coube aos brasileiros o estudo do cromossomo 15, que é associado ao aparecimento de algumas doenças, como Prader-Wiili & Angelman e leucemias.
O estudo, complexo, flui com muito bom humor. “É difícil ver o Gilberto sério. Brinca com todo mundo. Quando ele pede café e as pessoas perguntam se quer açúcar ou adoçante, ele responde: ‘Puro mesmo, porque de doce basta a vida’”, conta Fábio. “Quando levava a filha na escola, dizia: ‘Você vai para sua Disneylândia e o papai vai para a Disneylândia dele’. Aqui é onde ele se diverte”.
“O Gilberto tem uma característica muito própria que é a de escutar todo mundo. Trata o aluno de iniciação científica, de mestrado, de doutorado ou o professor da mesma forma. Gosta de aprender coisas novas e fazer planos de longo prazo. Agora, aos 90 anos, está fazendo planos para os próximos dez anos”, diz Fábio.
Planos que os dois realizam juntos no primeiro andar do Centro de Pesquisa em Medicina de Precisão (CPMP), na mais recente frente de trabalho aberta pelo mestre. “O CPMP tem uma concepção moderna. Os alunos, de diferentes formações, sentam juntos nestas bancadas. Trouxe a proteômica para cá para avançar na medicina de precisão, a convite dos professores Antonio Carlos Campos de Carvalho e Denise Pires de Carvalho. Fomos um dos primeiros grupos a vir para cá”, afirma Gilberto.
CARIOCA TÍPICO
Tantas atividades não deveriam deixar tempo para mais nada, certo? Errado. Gilberto é um carioca típico, que gosta de tomar chope, jogar conversa fora com os amigos e comer churrasco. “Adora um churrasco, com a carne bem vermelha. E adora tomar chope com a garotada”, afirma a esposa Solange Guimarães.
O casal, que está junto desde o início do namoro, em 1982, compartilha o amor pela Ciência e divide a casa com as estantes recheadas de livros. “Ele vive a Ciência em casa o tempo todo. Estamos sempre conversando. Eu me entusiasmo também. A contrapartida da família é apoiar e vibrar com a vibração dele”, conta Solange, que já foi pesquisadora do Programa de Engenharia Civil da Coppe.
E a família, para Gilberto, é uma das contrapartidas mais importantes da vida acadêmica: “São meus sistemas biológicos prediletos, a Solange e minha filha Sônia”, brinca. “Devo tudo à UFRJ. Saber, família, amigos, patrimônio. Eu me formei aqui, encontrei minha esposa aqui, minha filha estudou aqui”, diz, deixando uma mensagem para os professores em início de carreira. “Se apaixonem pela Ciência também!”.
É com imensa alegria que a AdUFRJ convida tod@s @s colegas para celebrar o Dia dos Professores de uma forma especial e cheia de ritmo! Junte-se a nós em uma animada roda de samba.
No final da festa, vamos sortear 25 ingressos para a peça “Eu matei Sherazade, confissões de uma árabe em fúria”. O espetáculo, inspirado no livro da libanesa Joumana Haddad, está em cartaz no Teatro Poeira.
Venha brindar conosco ao valoroso papel que cada um de nós desempenha na educação pública, gratuita e de qualidade.
Data: 15 de outubro
Hora: 19h
Local: Avenida Rui Barbosa, 762, no Fórum de Ciência e Cultura da UFRJ
Participe e espalhe a notícia para os colegas!! Com carinho, Diretoria da AdUFRJ
A PARTIR DA ESQUERDA: Maria Cecília, estudante da História; Maria Clara, egressa da Escola de Química; Jandir, ex-aluno da EBA; e Elizangela, formada em Terapia Ocupacional - Fotos: Fernando SouzaEra uma vez uma menina que alcançou nota suficiente no Enem para o curso de Medicina, mas escolheu a Engenharia Química. Estamos falando da talentosa Maria Clara Moreira, recém-formada na UFRJ. Sua história não é um conto de fadas qualquer. Nascida e criada na Maré, ela será laureada com o Diploma de Dignidade Acadêmica no grau “Magna Cum Laude”, concedido a alunos com coeficiente de rendimento acumulado igual ou superior a 9.
O feito é ainda maior: desde o 6° período, Maria Clara cursa concomitantemente as disciplinas do mestrado em Engenharia de Processos Químicos e Bioquímicos e pode defender sua dissertação já em março de 2025. Sim, ela fez graduação e pós simultaneamente no programa de integração promovido pela Escola de Química para alunos que se destacam em sua trajetória acadêmica. Ela não só obteve incríveis notas no início da formação superior, como alcançou o maior CR da pós: 3. O que indica que conquistou conceito A em todas as disciplinas.
Tímida, ela explica os motivos de ter escolhido a UFRJ. “Tudo levava à UFRJ. Fiz Enem na UFRJ, meus pais estudavam lá, é a instituição mais conceituada do Rio, além de ser bem perto de casa”, elenca.
Diretora da Escola de Química, fã de carteirinha da estudante e uma de suas orientadoras, a professora Fabiana Fonseca é só elogios. “Ela sempre buscou a excelência. Seu TCC é nota 10. É uma aluna dedicada, comprometida, realmente diferenciada”, afirma. “Quando vejo casos como o da Maria Clara, sinto que a universidade está no caminho certo. É um grande orgulho testemunhar essa trajetória”.
A docente acredita que a universidade, no entanto, precisa buscar outras iniciativas que valorizem o aluno que se destaca, sobretudo quando a trajetória pessoal é marcada por desafios fora da academia. “É um esforço muito grande concluir o curso com esse nível de excelência, superando todas as dificuldades de sua realidade”, diz. “A universidade precisa ter formas também diferenciadas de reconhecimento desses estudantes”.
CRIA DA MARÉ
A história inspiradora ganha contornos ainda mais emocionantes quando recuperamos o cotidiano de sua família. Maria Clara é cria da Maré. Vive com os pais e irmãs numa pequena casa da Nova Maré, uma das regiões mais conflagradas do complexo de favelas. A residência está situada a poucos metros de uma invisível e violenta linha que divide facções em disputa pelo território vizinho à Cidade Universitária. A chamada “divisa”.
Para se formar, a menina superou inúmeros obstáculos, como a violência, a falta de espaço para estudar, os poucos recursos financeiros para se manter no curso e até mesmo a falta de internet. “Foi um desafio manter a qualidade do estudo, principalmente no período da pandemia”, lembra.
A irmã, Maria Cecília Moreira, concorda. “O sinal de internet foi o que mais atrapalhou minha graduação durante a pandemia. Muitas vezes sumia ao longo do dia”. Ela também é estudante da UFRJ. Cursa licenciatura em História, sua grande paixão, e se forma no ano que vem. É estudante dedicada e muito elogiada na Iniciação Científica. Cecília havia passado para a Uerj e PUC e tinha nota para todas as federais do Rio, mas aguardou a primeira chamada da lista de espera do SiSU. “Quando passei, nem acreditei”, lembra. O sonho era cursar a mesma universidade da irmã e... dos pais.
FAMÍLIA UFRJ
Pois é, esta história, que mais parece um conto de fadas, começa com o pai das meninas, Jandir Leite Moreira. Artista autodidata, ele tinha um desejo distante de estudar na Escola de Belas Artes. O dia a dia com inúmeras limitações, inclusive financeiras, o fez adiar o sonho por décadas. “Eu olhava para essa universidade atrás da minha casa e acreditava que não era para mim. Era o que todos me diziam. Eu precisava ser honesto e trabalhar, sustentar uma família, uma casa, como faria uma universidade?”, perguntava-se. “A sociedade olha para um favelado como eu, gestado, nascido e criado no chão da favela, e decreta um destino”.
Jandir rompeu com o destino. Filho de mãe analfabeta e pai pouco escolarizado, o menino que passou a infância numa casa de dois cômodos que abrigava oito pessoas, não negou suas raízes, mas foi além delas. Matriculou-se em um curso pré-vestibular comunitário da Nova Holanda – outra favela do conjunto –, prestou o Enem em 2015 e passou para a EBA, no curso de Licenciatura em Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas.
Como a filha mais velha, também foi laureado por finalizar a graduação com CR 9. “Ainda não sei como, mas dei conta de concluir um curso integral com excelência acadêmica, trabalhar, criar minhas artes, fazer exposições, cuidar da família. Foi quase um milagre”, orgulha-se. Ele terminou a graduação em 2019, mas ainda durante o curso ganhou dois editais da UFRJ e recebeu prêmios por exposições realizadas: uma no Parque Tecnológico e outra no prédio do Colégio Brasileiro de Altos Estudos, atual sede do Fórum de Ciência e Cultura.
O talento de Jandir está estampado nas paredes da casa, nos objetos de decoração e até num violino (de verdade) construído com garrafa pet e cabo de vassoura. Foi seu trabalho final da disciplina de teoria musical. Hoje, ele é professor substituto do Colégio Pedro II no ensino de artes e trabalha também como musicoterapeuta voltado ao tratamento de crianças do espectro autista. Está em sua segunda especialização. “Depois da UFRJ, nunca mais parei de estudar”, comemora.ARTISTA DA MARÉ Jandir exibe o violino feito de materiais reciclados
A educação transforma e inspira. A esposa de Jandir, Elizangela Moreira, também atravessou os três quilômetros que separam sua casa do campus da UFRJ. Ao ver que o marido passou para a faculdade, Elizangela resolveu fazer o Enem. Estudou sozinha e foi aprovada no curso de Terapia Ocupacional da Faculdade de Medicina da UFRJ.
“Nem nos meus melhores sonhos imaginei que teria uma graduação”, conta emocionada, lembrando do dia em que viu seu nome entre os aprovados.
A reação foi o choro incontrolável. “Eu lembrei de toda a minha trajetória. Olhava da Maré para o prédio da UFRJ e era tão distante”, conta, sem ostentar a enorme ponte que construiu entre seu passado e seu futuro.
Ficaram no passado as vozes que tentaram interromper a trajetória virtuosa da família Moreira. “Tive uma professora nos anos 90 que dizia para a minha turma que a universidade pública não era para o pobre, que a gente nunca estaria lá”, lembra Elizangela.
Ela mostrou o contrário de sua insensível professora. Está graduada desde 2021 e desenvolve terapias para crianças do espectro autista. “É incrível poder trabalhar com o que a gente ama”.
Num certo momento, pai, mãe e filha mais velha cursavam a UFRJ ao mesmo tempo. Depois, mãe e filhas.“A gente já se encontrou para almoçar no bandejão”, lembra Jandir. “Muitas vezes fomos juntos também”, diz Elizangela. “Em outros momentos, a gente se encontrava no ônibus”, completa Maria Clara.
A UNIVERSIDADE PÚBLICA MUDA VIDAS
DE BECA Jandir foi o primeiro a se formar (à esquerda), em 2019. Em 2021, foi a vez de Elizangela (à direita). Maria Clara colou grau no último 27 de setembro (ao centro) - Fotos: Acervo de famíliaOs quatro filhos de Minerva não escondem o orgulho de pertencer à comunidade acadêmica da maior universidade federal do país. E contam como a universidade é capaz de mudar a vida de seus alunos. “A UFRJ foi tudo nas nossas vidas. A gente aprendeu sobre tantas coisas! Mudou completamente a nossa realidade. Hoje conseguimos realizar a primeira reforma na nossa casa em mais de 20 anos”, conta Jandir. “A gente até tem o sonho de viver uma coisa fora (da Maré), mas só agora nossa vida está começando a se organizar”.
O conjunto de casas onde a família mora foi construído em 1995 para abrigar moradores das palafitas. “Essa região era toda de palafitas. Vimos o desenvolvimento da comunidade até os dias atuais e estamos caminhando para mudar nossa realidade”, analisa Elizangela. “Assim que me formei já estava trabalhando na minha área, não fiquei mais desempregada. Nunca imaginei que essa realidade louca e inalcançável seria a minha história”, diz.
Mesmo antes de acessar a graduação, os pais de três meninas – a caçula Maria Laura cursa o ensino médio – desejavam que suas filhas trilhassem caminhos naturais até a universidade. A única chance seria prepará-las para enfrentar uma disputada prova que concedia dez bolsas a uma rede de escolas particulares. “Elas precisavam estar prontas para essa prova aos 4 anos de idade”, lembra Jandir. Para isso, eles alfabetizaram as três em casa na primeira infância. Todas elas conseguiram a bolsa integral no colégio privado da Maré.
Com pais formados ou em vias de se formar, o caminho da universidade foi ainda mais natural para as meninas. “Disputamos o Enem pela ampla concorrência porque fomos bolsistas de um colégio privado, mas desde cedo nos preparamos para esse momento”, conta Maria Cecília. “Quando comecei, meu pai estava concluindo a graduação e minha mãe estava no meio da faculdade”, lembra Maria Clara. “Era incrível”.
O sentimento dos pais é de orgulho e dever cumprido. “Eu só choro de alegria. Era um sonho que nós tínhamos, mas não imaginava que fosse acontecer tudo de uma forma tão brilhante”, suspira Elizangela. “A gente mora numa região infelizmente marcada por muitas mães que choram de tristeza. Quantos ficaram para trás? “, lamenta. “Então, quero que nossa história de alguma forma inspire outras famílias daqui”, diz. “Nós não temos muitas coisas materiais para dar, então nossa herança para elas é a educação”, conclui Jandir.