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A UFRJ acaba de sofrer mais um duro golpe: R$ 60 milhões de seu orçamento foram bloqueados pelo governo federal. Trata-se de valores destinados às chamadas despesas discricionárias, aquelas necessárias ao funcionamento da instituição. Mais de R$ 50 milhões já estavam empenhados, ou seja, em fila para pagamento. O valor é praticamente o mesmo que havia sido anunciado como recomposição do orçamento da universidade e é essencial para que a instituição conclua as atividades até o fim do ano. Segundo a pró-reitoria de Finanças, o valor equivale a 18% dos gastos para manutenção das atividades da universidade e a dois meses de funcionamento.
Um dos reflexos imediatos do contingenciamento é o ofício encaminhado pelo reitor Roberto Medronho nesta manhã a todas as unidades e centros. No documento, o dirigente pede que sejam racionados os usos de energia elétrica e água, serviços que compõem um importante conjunto de gastos da universidade.
O bloqueio na UFRJ é resultado do corte de R$ 15 bilhões nas contas públicas promovido pelo governo para atender ao novo arcabouço fiscal. Com exceção do Ministério do Meio Ambiente, todas as pastas foram atingidas. Mais detalhes na próxima edição do Jornal da AdUFRJ.
Apenas três dos 74 trabalhos de campo previstos pelo Instituto de Geociências foram realizados no primeiro semestre de 2024. O baixíssimo número de saídas está atrasando a formação dos alunos dos cursos da unidade e é resultado de uma frota de veículos envelhecida.
A UFRJ tem dez ônibus em sua frota oficial. Os dois modelos mais novos são 2010/2011. O mais antigo, modelo 2005. O cenário das vans é parecido. São 22 veículos fabricados entre 2005 e 2011, o que ameaça a segurança de professores, técnicos e estudantes e compromete o cumprimento de disciplinas obrigatórias do currículo.
A situação chegou ao limite no dia úlitmo dia 15. Em reunião da Congregação, o IGEO resolveu não iniciar as aulas no segundo semestre, caso o problema não seja solucionado. Mesma decisão já havia sido tomada isoladamente pela Geologia.
“Os alunos estão desmotivados. Os professores estão desmotivados. Fica impossível manter o curso desse jeito”, lamentou o professor Claudio Limeira, do departamento de Geologia. Com 29 anos de docência na universidade e vasta experiência na logística de trabalhos de campo, Limeira diz nunca ter passado por situação semelhante.
“Nossa frota é antiga, não serve mais para trabalhos de campo que precisam acessar estradas não asfaltadas”, disse o prefeito universitário Marcos Maldonado.
Não há dinheiro para comprar carros novos nem para a manutenção dos antigos. Maldonado afirmou que, das 200 viaturas de toda a frota da UFRJ — aí incluídos caminhões e carros menores: de passeio, ambulâncias, entre outros —, 70 estão paradas por falta de recursos para o conserto. “A prefeitura trabalha com o orçamento que é liberado. Quando tem recurso para fazer a manutenção, a gente faz”, disse, resignado.
O prefeito apontou o aumento no número de trabalhos de campo pós-pandemia como um fator que ampliou os problemas mecânicos. “Muitos trabalhos ficaram represados da época da pandemia. Isso gerou muita demanda para pouca viatura”.
O professor Edson Farias Mello, diretor do IGEO, não vê solução que não passe pela compra de novas viaturas. “Todos os nossos veículos já cruzaram a linha da vida útil. Você pode fazer manutenção em um veículo velho, mas ele continua velho. Chegamos ao limite de uma frota muito antiga, muito rodada e que precisa de renovação”, alertou.
EXIGÊNCIA CURRICULAR
A demanda por novos veículos não é uma questão de luxo para os geólogos. As diretrizes curriculares nacionais do Ministério da Educação determinam que os cursos de graduação em Geologia tenham ao menos 20% da carga horária cumprida em atividades do campo. Na UFRJ, 25% do curso acontece fora da sala de aula.
“O Brasil é muito diverso. Não temos no Rio de Janeiro rochas sedimentares como as da Bacia do Paraná, então precisamos ir lá. Como temos que ir no Araripe, no Ceará. Temos que ir na região do Quadrilátero Ferrífero, em Minas Gerais. São áreas de geologia específicas e fundamentais para formar um geólogo”, afirmou o professor Claudio Limeira.
O docente apontou o foco no conhecimento prático como um diferencial para o geólogo formado na UFRJ. “Nosso curso sempre se destacou por uma ênfase muito grande em trabalho de campo. A forma como a teoria vista em sala de aula é aplicada no trabalho de campo muda completamente a forma como os alunos encaram o curso”, explicou.
Sem a realização das atividades de campo previstas no currículo, acontece o represamento de estudantes que não conseguem concluir a graduação. “Temos disciplinas inteiras que são só de campo. Geologia de campo IV é o último estágio de campo que os alunos precisam fazer para concluir o curso. Ela não está sendo ofertada, então não tem formatura no curso”, contou o professor Patrick Führ Dal’ Bó, chefe do departamento de Geologia. “Hoje, temos uma turma inteira, cerca de 30 alunos, que não conseguiremos formar”, completou.
A UFRJ possui um contrato de aluguel de veículos que não atende às necessidades do IGEO. O contrato supre apenas viagens dentro do estado do Rio de Janeiro e não prevê pernoites para os motoristas. Para resolver emergencialmente a questão, o instituto quer a locação de três vans e três ônibus que consigam sair do estado. Estudo técnico preliminar desenvolvido por professores do instituto orçou em R$ 850 mil o aluguel para cobrir as demandas de um semestre de disciplinas obrigatórias, eletivas, ações de extensão, iniciação científica e pesquisas de pós-graduação. Seriam percorridos 77.340 quilômetros, no total.
PROFESSORES TEMEM RISCO DE ACIDENTE GRAVE
O professor Marco Antonio Braga, responsável pela política de saúde e segurança em campo do departamento, fez um orçamento para a compra de novos veículos, em 2018. “O risco principal de acidentes com geólogos em atividades de campo é durante o trajeto. Por isso, a nossa preocupação”.
Com base na Pirâmide de Bird, ferramenta utilizada no campo da segurança do trabalho que propõe uma lógica constante e gradual entre pequenos incidentes e acidentes fatais, o docente traçou um cenário de risco. “A base da nossa pirâmide está mais que completa de relatos de quase acidentes. Nossa base já está formada para acontecer um acidente mais grave”, disse Braga. “Ano passado, tivemos um ônibus descendo a Serra das Araras com problemas no motor e no freio”, contou.
Outros cursos que fazem trabalhos de campo fora da universidade também compartilham da mesma insatisfação. O professor Fábio Hepp, responsável por organizar as saídas no Instituto de Biologia, acompanha com interesse a reivindicação do IGEO. “Até fizemos alguns trabalhos de campo nesse semestre, mas todos aos trancos e barrancos”, contou.
REITORIA PREPARA LICITAÇÃO DE TRAJETOS INTERESTADUAIS
Questionadas sobre os problemas dos trabalhos de campo, as pró-reitorias de Graduação (PR-1) e Governança (PR-6) responderam com uma nota conjunta. “Este assunto foi debatido em diversas reuniões com a PR-1, PR-3 (Finanças), PR6 e a Prefeitura Universitária (PU), que reiteraram a importância da graduação e consideram que as atividades acadêmicas de graduação devem ser garantidas, mesmo com os recursos escassos do orçamento”, diz a nota. Sobre o represamento de alunos no curso de Geologia, a PR-1 garantiu que vai oferecer todo o suporte necessário para os estudantes não serem prejudicados. A PR-6 afirmou, ainda, estar preparando licitação de transporte dos trajetos interestaduais para os próximos períodos acadêmicos.
Publicado em edição extra do Diário Oficial, na noite da última terça-feira (30), o decreto que bloqueou R$ 1,28 bilhão do orçamento do Ministério da Educação acendou a luz amarela na UFRJ. A preocupação tem razão de ser. As instalações da universidade acumulam graves problemas provocados por anos de orçamento apertado.
Na Educação, a “tesourada” será de R$ 737,9 milhões em despesas discricionárias do Poder Executivo, R$ 500 milhões do novo Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), R$ 39,6 milhões de emendas de bancada e R$ 7 milhões em emendas de comissão.
Até o fechamento desta edição, a Secretaria de Educação Superior do MEC, responsável pela gerência orçamentária das 69 universidades federais, ainda não havia informado se o contingenciamento irá alcançar as instituições de ensino.
O suspense sobre o destino do bloqueio deve durar até 6 de agosto, data limite para o MEC informar que áreas serão contingenciadas. “No caso da UFRJ, um corte nos recursos traria sérios problemas, o que poderia provocar revisões que seriam bastante dolorosas”, lamentou o diretor do Instituto de Economia e ex-reitor da UFRJ, professor Carlos Frederico Leão Rocha. “Cortes nas universidades podem desfazer parcialmente conquistas orçamentárias recentes obtidas por intermédio das negociações do movimento docente e da Andifes (associação dos reitores) com o governo”, afirma
O contingencimento bloqueou um total de R$ 15 bilhões e atingiu todos os ministérios — com exceção do Meio Ambiente e Mudança do Clima. A Saúde, com R$ 4,4 bilhões, foi a pasta que mais perdeu, em valores absolutos. O bloqueio atende às regras do novo arcabouço fiscal, modelo de regras e metas fiscais que limitam os gastos, que foi aprovado pelo Congresso em agosto de 2023.
“O orçamento discricionário do governo, dadas as regras ficais, é cada vez menor como percentual do orçamento global, o que torna as escolhas sobre onde cortar cada vez mais restritivas. Existe também o orçamento secreto, que retira possibilidades de cortes em muitas áreas”, acrescenta o ex-reitor. “Não se pode, no entanto, abstrair dos problemas que o governo vem tendo para compor maioria no Congresso e o impacto que um eventual corte das emendas teria nessa relação”.
A reitoria da UFRJ preferiu não se manifestar antes do detalhamento dos cortes, mas é fato conhecido que a eventual perda de qualquer centavo será muito lamentada. O último informe sobre a situação orçamentária distribuído pela pró-reitoria de Finanças (PR-3), no início de junho, apontava uma estimativa de despesas de aproximadamente R$ 518 milhões para o exercício. E, hoje, segundo o painel orçamentário-financeiro da própria PR-3, a maior federal do país conta com apenas R$ 428 milhões para fazer frente a todas as despesas até o fim do ano.
Deste montante, faltando cinco meses para o fim de 2024, já foram empenhados — isto é, indicados para o pagamento de despesas — R$ 374 milhões (87,4% do total). Se considerados apenas os recursos discricionários — ou seja, sem contar recursos de emendas parlamentares, por exemplo —, a UFRJ já empenhou R$ 366,9 milhões de R$ 420 milhões. Ou 87,3% do total.
PREOCUPAÇÃO
COM INVESTIMENTOS
O PAC é outro ponto preocupante. No Consuni de junho, o reitor Medronho informou que o MEC pediu à UFRJ uma lista de obras inacabadas do Reuni e de assistência estudantil. Para essas obras, o novo PAC reservou R$ 40 milhões. Entre as obras contempladas estão dois alojamentos estudantis no campus do Fundão: o alojamento atrás do CCMN, e o modular (em estruturas metálicas, como contêineres), hoje em ruínas (leia mais abaixo).
O acordo para adesão da universidade à Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (Ebserh) também prevê investimento de R$ 115 milhões via PAC para readequação de espaços físicos e melhoria da infraestrutura.
REAÇÃO
A diretoria da AdUFRJ acompanha o assunto com atenção. “As universidades, em especial a UFRJ, não podem perder mais recursos”, afirma o professor Rodrigo Fonseca. Junto ao Observatório do Conhecimento, a AdUFRJ tem denunciado a expressiva queda no financiamento do sistema de C&T e da educação superior federal do país.
O chamado “Orçamento do Conhecimento” chegou a R$ 19,50 bilhões, na lei orçamentária deste ano contra R$ 38 bilhões de 2014, em valores corrigidos pela inflação. “Estamos trabalhando com metade dos recursos de uma década atrás. E as universidades cresceram muito no período”, critica Rodrigo.
“Nosso Sindicato Nacional recebeu com muita perplexidade este anúncio de corte”, disse o presidente do Andes, professor Gustavo Seferian. “Isso tende, sobretudo em universidades de mais significativa estrutura, a trazer impactos bastante mais sensíveis, ao menos proporcionalmente”, completou.
A reportagem solicitou ao MEC esclarecimentos sobre como será tomada a decisão das áreas que serão cortadas e se as universidades poderiam ser atingidas. Não houve retorno até o fechamento desta edição.