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WhatsApp Image 2024 08 19 at 20.10.05Fotos: Alessandro CostaCom a fala embargada pela emoção, professores, estudantes e técnicos homenagearam 23 alunos e dois docentes que dedicaram a vida à democracia e foram assassinados pela ditadura militar. A cerimônia ocorreu na sexta-feira, 16, no auditório da Associação Brasileira de Imprensa. “A história do meu irmão foi bem dramática. Ele morreu em 1972, mas já era perseguido desde 1964. Era funcionário do antigo Banco do Estado da Guanabara, e atuava no Sindicato dos Bancários. Bebeto fazia Economia na UFRJ. Eu estudava na extinta Faculdade Nacional de Filosofia, meu irmão mais velho se graduou pela Faculdade Nacional de Direito, minha irmã Ângela foi da Psicologia. Nossa relação com a UFRJ é muito estreita. Meu avô, inclusive, estudou na Medicina, no prédio que foi destruído pela ditadura. Eu lembrava de todo aquele clima de apreensão e pavor enquanto ouvia os depoimentos na sexta. Por tudo isso, foi muito emocionante receber a medalha de meu irmão. Ela está guardada para mostrar aos outros irmãos. Essa história é deles também”. Sônia Benevides, irmã de Luiz Alberto Benevides, estudante de Economia condecorado in memoriam. 

Emoção, saudade, revolta e o desejo de fazer do Brasil um país justo foram sentimentos comuns a quem esteve na última sexta-feira (16) naWhatsApp Image 2024 08 19 at 20.10.06 7 Associação Brasileira de Imprensa (ABI) para participar do ato “Lembrar para Não Esquecer”, uma parceria entre a UFRJ e a ABI que reverenciou as vítimas da ditadura militar instaurada no país há 60 anos. “É um orgulho e uma emoção estar aqui promovendo essa celebração à vida, homenageando nossos heróis”, disse o reitor Roberto Medronho na abertura do evento. “A UFRJ foi violentada de muitas formas”, lamentou o professor Hélio de Mattos, chefe de gabinete da reitoria e idealizador da atividade. “Estudantes foram assassinados, muitos outros foram brutalmente torturados, presos. A PM invadiu a Praia Vermelha, quebrou laboratórios. O prédio da Faculdade de Medicina foi destruído e a Faculdade Nacional de Filosofia foi extinta”, lembrou o professor. Num dos momentos mais emocionantes, o reitor leu a lista dos 25 estudantes e professores da UFRJ mortos e desaparecidos e entregou a familiares a Medalha Minerva do Mérito Acadêmico. A AdUFRJ foi representada pelas professoras Nedir do Espirito Santo e Veronica Damasceno. O Sintufrj e o DCE Mário Prata também participaram da atividade. Veja abaixo alguns depoimentos marcantes.

Gilberto Barbosa Domont
Professor emérito da UFRJ:

WhatsApp Image 2024 08 19 at 20.11.08Eu não conheço nenhuma escola no mundo que tenha vivido 25 anos com a intensidade que a Faculdade Nacional de Filosofia viveu. Ela foi fundada durante uma ditadura, em 1939, e foi extinta por outra ditadura. Uma escola que viveu entre ditaduras. Obviamente os ideais eram coisas muito vivas nos estudantes da universidade. Com quem a gente convivia? Os professores Manuel Bandeira em Letras, César Lattes em Física, João Cardoso em Química, Maria Yeda Linhares em História, Anísio Teixeira em Educação, e por aí vai. Tive a sorte de ser aluno do Anísio Teixeira. Eram os ideais mais nobres que os alunos vivenciavam com seus professores. A faculdade começou com 11 cursos, e quando foi fechada ela tinha 23 cursos, com cerca de 250 professores. Quando a faculdade fechou ela deu origem aos institutos de Química, Biologia, Matemática, Geociências, Física, à Faculdade de Educação. Tudo isso resultou do fechamento da Faculdade Nacional de Filosofia. Tivemos um tempo de ouro, 25 anos dourados. A UFRJ tem 232 anos, 40% da vida do país. A UFRJ ajudou a construir esse país. Quando se fala da UFRJ não se fala de uma universidade qualquer, ela tem a história toda da nação por trás dela. E o que a Filosofia construiu em 25 anos? Uma contribuição inestimável ao país. A partir de 1963 vivemos outro tempo, o dos cassetetes. Saíamos nós, jovens professores e alunos, em passeatas pelo Centro do Rio, tentando mobilizar a população, e a pancadaria comia solta. E houve o tempo de chumbo. Uma das cenas mais lindas que já vi na vida foi a ameaça de invasão do prédio da Faculdade Nacional de Filosofia, ali no Centro. Descemos as mesas e cadeiras de todas as salas e colocamos na entrada do prédio. A vanguarda da defesa eram as moças, e elas estavam todas sentadas nas mesas à frente da faculdade. E a polícia do lado de fora. Os rapazes ficaram mais atrás, na defesa da porta. A polícia não entrou, e o grito foi esse: Aqui só entra com vestibular. Mas os anos de chumbo não são só figura de retórica. Foram balas de chumbo que mataram nossos colegas, nossos alunos. Nós sobrevivemos para poder contar. Não podemos deixar de nos indignar contra a violência, contra a pobreza, pela liberdade, pela vida”.

Maria Lucia Teixeira Werneck Vianna
Professora aposentada da UFRJ e uma das 19 estudantes expulsas da universidade pela ditadura militar:

WhatsApp Image 2024 08 19 at 20.11.09Sou professora aposentada da UFRJ, depois de quase 40 anos de trabalho. Fui aluna da UFRJ na época braba, no período do golpe. O título desse evento — “Lembrar para não esquecer” — é super importante. Porque nós temos que lembrar o que foi realmente a ditadura, não só do ponto de vista político. Em relação a isso, eu e muitos amigos meus, meu marido, meu pai, meu irmão, meus filhos todos fomos vítimas da luta contra a ditadura. Mas temos que lembrar também o que representou a ditadura, o autoritarismo para a vida cotidiana das pessoas. Mesmo para aquelas que não militaram, mas que tinham uma posição contrária ao autoritarismo, a vida foi muito ruim, muito limitada. A gente tinha que se mudar de vez em quando, não podíamos ter livros, enfim, o ir e vir estava de certa forma prejudicado. A relação com os filhos, a educação dos filhos, foi tudo muito difícil. No meu caso, particularmente, minha família foi muito atingida. Temos que lembrar para que isso não se repita. Para que as pessoas possam, mesmo divergindo, conviver de forma democrática”.

Octávio Costa
Presidente da ABI:

WhatsApp Image 2024 08 19 at 20.51.25É com grande honra que a ABI sedia esse evento da UFRJ. Agradeço ao reitor por ter escolhido esse auditório histórico, que é um símbolo da luta democrática nesse país. A UFRJ fez um folheto com os perfis de seus 25 alunos e professores mortos pela ditadura. Confesso que fiquei muito emocionado porque são todos eles da minha geração. Alguns nasceram em 1947, 1948, alguns foram do Pedro II, da Faculdade Nacional de Direito. Eu fui aluno do Pedro II e me formei na antiga Faculdade Nacional de Direito. Sou de 1950, entrei na FND em 1970, no auge da brutalidade, das violências do regime militar. O regime que torturou e matou esses jovens, todos na faixa de 25, 26, 27 anos. Jovens que sonhavam com um Brasil maior, mais justo. Alguns sonhavam com um Brasil socialista. Foram barbaramente assassinados. Um dos perfis é de Ana Maria Nacinovic, que foi morta a tiros num restaurante de São Paulo e teve seu corpo já morto espancado na frente de populares. Ou Stuart Angel, que teve sua boca colada num Jipe da Aeronáutica. Eles não tiveram a condição que nós tivemos, de seguir a nossa vida. Estamos aqui hoje, todos com cabelos brancos, em torno de 70, 80 anos, como sobreviventes da barbárie. E eles não tiveram essa chance. Eu choro por eles, tenho uma dor profunda por eles. Não podemos recuperar a vida deles, o que podemos fazer é honrar a memória deles, e esse evento faz parte disso. Honrar a memória deles é acreditar num país democrático, livre e justo socialmente. Esse o país que eles queriam, com o qual sonhavam, e temos obrigação de levar isso adiante. Que nossos jovens tenham como exemplo esses jovens que lutaram contra a ditadura no Brasil. Tortura nunca mais, democracia sempre”.

Nedir do Espirito Santo
Vice-presidente da AdUFRJ:

WhatsApp Image 2024 08 19 at 20.11.09 3É difícil agora depois de tantas palavras ditas aqui a gente falar sobre a importância desse evento. Parabenizo muito a organização pela realização da atividade. Eu queria lembrar algumas coisas, porque eu fui estudante em 1972, na UFF. Nós tínhamos na universidade pessoas infiltradas. Não podia existir grupo de mais de três pessoas conversando. Lembram disso? Não podia! Nós éramos perseguidos. Eu me lembro que eu fui monitora e depois, logo que eu me formei, você podia contratar professores colaboradores. Então, eu fui contratada como professora colaboradora. Eu também fui presidente de diretório. Logo que me tornei presidente do Diretório Acadêmico, havia carro da Polícia Federal na frente da minha casa. Sabe o que eles fizeram para conter os diretórios e para que muitas universidades não tivessem diretório? Eles colocaram como condição para ser presidente não ter reprovação. Vocês lembram disso? Era aquela forma indireta de dizer ‘pode, desde que...’ Eu fiquei espantada com o que estava acontecendo. Eu trabalhava e estudava como sempre fiz na minha vida. Saía às 5 da manhã para trabalhar, tinha um carro da Polícia Federal na frente da minha porta. Isso durou um tempo. Depois, quando eu fui contratada como professora colaboradora, isso em 1977, eu tive que tirar uma coisa que se chamava Atestado de Idoneidade Moral. Lembram disso? Nós tínhamos que ir ao DOPS, que era um ambiente de tortura do Rio de Janeiro. Também tinha o quartel da Polícia Militar, lá na Barão de Mesquita. Horrores aconteciam ali e nós tínhamos que tirar o documento naqueles locais. Ou seja, você era uma pessoa indesejada pelo governo militar a menos que você provasse que não era, através desse documento. Não era atestado de bons antecedentes, não gente. Muitas coisas ainda estão em dívida e realmente não há como ter anistia (para os torturadores). Famílias foram destruídas, vidas foram destruídas. Banalizar a vida é a pior coisa que existe em qualquer circunstância. Num regime desses, o conhecimento incomoda. A grandeza da UFRJ incomodava e nós vimos aqui muitos episódios de perseguição à UFRJ. Recentemente, a última coisa que aconteceu foi esse contingenciamento, esse roubo. A UFRJ já tinha feito empenho do valor prometido pelo governo nós trouxemos aqui um documento que a AdUFRJ preparou. O objetivo é colher assinatura dos professores e apoiadores para o descontingenciamento desses recursos. Isso é muito sério. Convidamos os colegas para assinarem aqui na saída. Muito obrigado por essa oportunidade de falar aqui e aguardo a assinatura de vocês.

WhatsApp Image 2024 08 19 at 20.10.06Não há mais garantia orçamentária para o pagamento de todas as bolsas da UFRJ referentes aos meses de novembro e dezembro. Os R$ 23,3 milhões já reservados com este objetivo foram “devolvidos” ao MEC. A medida cumpre o contingenciamento imposto pelo governo nas verbas que sustentam as atividades acadêmicas e administrativas da universidade. A reitoria, no entanto, pede calma à comunidade acadêmica.
“Este contingenciamento segura as bolsas lá do final do ano. O descontingenciamento será feito antes. As bolsas serão pagas normalmente”, afirma o pró-reitor de Finanças, professor Helios Malebranche.
Quando o contingenciamento foi anunciado aos reitores, o governo disse que os chamados “limites de empenho” ficariam indisponíveis até 30 de setembro. Em seguida, haveria duas janelas de liberação dos recursos, ainda sem definição de percentuais em cada fase. A primeira, entre 1º de outubro e 30 de novembro; a segunda, de 1º a 30 de dezembro. A esperança da reitoria de poder voltar a garantir as bolsas do fim do ano reside nestas “janelas”.
“Estamos negociando com o MEC. Sabemos que há uma dificuldade grande, por conta do novo arcabouço fiscal, mas algumas áreas deveriam ter sido preservadas (do contingenciamento). Principalmente, Saúde e Educação”, diz o reitor Roberto Medronho.
Hoje, somente para os graduandos, a UFRJ oferece 1.894 bolsas com seu orçamento discricionário, segundo a pró-reitoria de Graduação. A maioria em monitoria (1.400), no Programa Institucional de Bolsas de Iniciação Artística e Cultural (220) e no Programa de Atividades Extracurriculares de Apoio aos Laboratórios de Informática de Graduação (150). Não foi informado se os auxílios estudantis estavam incluídos no contingenciamento.
Pela pró-reitoria de Pós-graduação e Pesquisa, a universidade paga aproximadamente mil bolsas de iniciação científica. As demais bolsas — de mestrado, doutorado e pós-doutorado — são oferecidas pela Capes e pelo CNPq e não fazem parte da conta da universidade. Há, ainda, as mais de 800 bolsas oferecidas pelo Programa Institucional de Fomento Único de Ações de Extensão.

FALTA UMA PARTE
A universidade “devolveu” apenas uma parte dos recursos solicitados pelo MEC para atender à determinação de contingenciamento dos 18% das verbas discricionárias — todas as federais do país sofreram o bloqueio do mesmo percentual (leia mais abaixo). Conforme já noticiado na edição anterior do Jornal da AdUFRJ, a UFRJ precisava entregar R$ 60 milhões. Destes, R$ 9,4 milhões que não estavam empenhados foram estornados imediatamente pelo ministério. Restavam R$ 50,6 milhões.
Com o atual cancelamento dos empenhos de bolsas, ainda faltam R$ 27,3 milhões para a universidade chegar ao valor solicitado. Mas a reitoria entende que, se ampliasse o contingenciamento, começaria a atrasar o pagamento de contratos que afetariam o funcionamento da instituição. “Fizemos (o contingenciamento) de R$ 23,3 milhões. Mais do que isso, iria prejudicar o funcionamento da UFRJ”, afirma o superintendente geral de Orçamento, George Pereira da Gama.
A avaliação interna é que o comunicado do contingenciamento dos 18% não era suficientemente formal para ser atendido em sua integralidade. Pelo menos até uma nova cobrança do ministério.

NEGOCIAÇÃO COM A LIGHT
Após quase ter a luz cortada por falta de pagamento, no último dia 9 — uma decisão judicial impediu o corte —, a UFRJ se aproxima de um entendimento com a concessionária de energia. “As negociações estão caminhando muito bem. Estamos negociando uma compensação, na esfera administrativa ainda”, explica o pró-reitor Helios. “A Light tem uma instalação na Cidade Universitária e precisa fazer o recolhimento do ressarcimento à União, o que não tem feito. Vamos fazer um encontro de contas: dívidas nossas antigas serão compensadas com este valor que a Light deveria estar depositando”.
Não foi informado o valor que a empresa deveria estar recolhendo à União. Na notificação que quase levou ao corte, a Light cobrava da universidade as faturas de abril, maio e junho, somando R$ 15 milhões.

OUTRAS UNIVERSIDADES JÁ PROMOVEM MEDIDAS DE CONTENÇÃO DAS DESPESAS

A preocupação com o orçamento não é exclusividade da UFRJ. Várias universidades preveem um fim de ano difícil com o contingenciamento de 18% nas receitas discricionárias. O discurso de momento é priorizar despesas essenciais e realizar medidas de contenção de gastos.
Na “vizinha” UniRio, o contingenciamento representa R$ 10,7 milhões das verbas que sustentam as atividades acadêmicas e administrativas (R$ 57 milhões) da instituição. Não foram atingidos recursos já empenhados. “Esse contingenciamento foi escolha que prejudica muito a educação pública, e foi realizado em cima das reduzidas verbas, que diminuem a cada ano”, afirma o diretor de Orçamento, e substituto do pró-reitor de Administração, professor Steven Dutt-Ross. “A UniRio só tem recursos para manter a universidade aberta até outubro. Se a situação não mudar, a UniRio vai ficar inadimplente com o pagamento dos contratos de manutenção”, completa.
Além do contingenciamento no discricionário, todas as universidades sofreram bloqueio de emendas parlamentares voltadas para o funcionamento básico que não foram empenhadas até 23 de julho. A UniRio teve R$ 500 mil bloqueados de uma emenda da bancada federal do estado.
A UFF ficou com cerca de R$ 31 milhões contingenciados. Não foram atingidos empenhos já realizados. Em relação às emendas parlamentares, o comprometimento foi de aproximadamente R$ 500 mil. “A gestão da UFF não pretende realizar cortes nos serviços básicos, assim como em bolsas ou no restaurante universitário. Contudo, será necessária a priorização das despesas, visando ao equilíbrio financeiro da universidade até a regularização do quadro orçamentário”, explica o pró-reitor de Planejamento, professor Júlio Cesar Andrade de Abreu.
Já a Federal de Pernambuco (UFPE) registrou um contingenciamento de R$ 30,4 milhões. Não foi informado se empenhos precisarão ser cancelados. “A medida força a UFPE a fazer um novo planejamento do uso de seu orçamento, tendo em vista a necessidade de priorizar a manutenção da instituição. Mesmo antes do bloqueio, o orçamento da UFPE já era insuficiente para atender plenamente as necessidades de funcionamento até o final do atual exercício financeiro”, diz um trecho de comunicado divulgado nas redes sociais da universidade.
Em menor proporção, a situação da Universidade Federal do Piauí (UFPI) é a que mais se assemelha à da UFRJ. Do bloqueio de R$ 23 milhões, pouco menos de R$ 8 milhões também são relativos a empenhos já realizados — o orçamento total é de R$ 127,9 milhões. “Com despesas previstas e contratadas na ordem de R$ 133 milhões para o funcionamento básico, a UFPI enfrenta agora o desafio de administrar gastos essenciais, como energia elétrica, água, limpeza, terceirização, segurança, combustível, manutenção de frota e predial, além das atividades-fim, que incluem aulas práticas e assistência estudantil, com um orçamento ainda mais restrito”, diz o comunicado da instituição.
“Isso exige que a UFPI reavalie suas despesas, priorizando a manutenção das atividades essenciais e implementando medidas de redução ainda em 2024, para evitar um endividamento que possa gerar um efeito ‘bola de neve’ de despesas em 2025”.
Somando contingenciamento (R$ 33,4 milhões) e bloqueio de emendas (R$ 6,5 milhões), a Universidade Federal do Paraná levou uma “tesourada” de R$ 39,9 milhões. Pelo menos, por enquanto. Não houve prejuízo nos empenhos. “Se não forem recompostos os limites de empenho (18%), a UFPR poderá ter problemas em novembro e dezembro”, respondeu a reitoria à reportagem.

WhatsApp Image 2024 08 09 at 19.06.50Ana Beatriz Magno e Kelvin Melo

Endividada até o pescoço e lutando para manter as portas abertas até o fim do ano, a UFRJ acaba de sofrer um contingenciamento de R$ 60 milhões nas receitas que sustentam o funcionamento básico da instituição.
Contingenciamentos de recursos têm sido utilizados de forma recorrente contra o orçamento das universidades, nos últimos anos, para atendimento das regras fiscais. A triste novidade de 2024 é que a medida de agora também atinge valores empenhados. Ou seja, dinheiro já reservado para o pagamento de determinadas despesas. Pelo menos no caso da maior federal do país. E não foi pouco, não: R$ 50,6 milhões. Ou 84,3% do total.
“Esse contingenciamento vai trazer uma dificuldade maior para o gerenciamento do dia a dia da universidade. Ter os fornecedores batendo na nossa porta quase que diariamente traz um estresse muito grande para o nosso corpo técnico-administrativo da PR-3 (Finanças) e da PR-6 (Governança)”, afirmou o reitor Roberto Medronho. “Algumas firmas são pequenas e, quando se atrasa um pouco o repasse, elas não têm volume de caixa para pagar seus funcionários”.
A administração central ainda estuda os empenhos que poderão ser cancelados neste momento. A orientação da reitoria é manter bolsas estudantis e o funcionamento dos restaurantes universitários.
Apesar do baque, o reitor está confiante no descontingenciamento dos R$ 60 milhões. “Tem previsão de liberação dos recursos em outubro e em dezembro”, disse. Além disso, o dirigente espera o repasse de novas receitas para a UFRJ. “Já pedimos uma suplementação orçamentária ao ministério de R$ 13,6 milhões para pagar faturas de luz e água. Já conversei com o ministro Camilo Santana e com o Alexandre Brasil (secretário de Educação Superior) pessoalmente e há uma disposição do MEC em repassar os recursos para a suplementação”, disse. “Nós vamos vencer essa etapa. A UFRJ não fechará, mas precisamos ter a suplementação orçamentária mínima”.

QUASE UM CORTE DA LUZ
A preocupação com as contas de energia elétrica e de água e esgoto se justifica. A Light iria cortar a luz da universidade — incluindo a de três hospitaisWhatsApp Image 2024 08 09 at 19.06.51 3 (Clementino Fraga Filho, IPPMG e Maternidade Escola) nesta sexta-feira (9). A empresa notificou a UFRJ sobre a medida em 11 de julho, cobrando o pagamento de abril, maio e junho. As faturas somam aproximadamente R$ 15 milhões. Foi por pouco. A Procuradoria da UFRJ conseguiu uma decisão judicial dois dias antes que impediu o corte.
A reitoria estima que os serviços de água e energia custem aproximadamente R$ 138 milhões aos cofres da universidade em 2024 — o número inclui débitos de anos anteriores. Em ofício encaminhado na segunda-feira (5) aos decanos e diretores, a reitoria solicitou a adoção de medidas para a redução do consumo.
Já o diretor do Instituto de Economia e ex-reitor Carlos Frederico Leão Rocha não poupou críticas ao movimento do governo. “Alguém presta um serviço porque você tem o dinheiro na conta, você emite o cheque e, após a emissão, o governo pega o seu dinheiro. É uma espécie de roubo”, comparou.
“Aconteceu algo semelhante com a nossa gestão no final do governo Bolsonaro. E nós denunciamos o escândalo que era isso”, afirmou, em referência ao episódio de dezembro de 2022, quando R$ 16 milhões da universidade foram bloqueados. Na ocasião, estudantes ficaram sem bolsa; funcionários extraquadros dos hospitais, sem salários; e terceirizados, sem pagamento. Licitações pararam e houve redução do funcionamento do transporte interno na Cidade Universitária e dos bandejões, entre outros problemas. “O que está feito é um escândalo. O governo Lula está agindo igual ao governo Bolsonaro”.

ANDIFES PREOCUPADA
A Associação Nacional dos Dirigentes das Instituições Federais de Ensino Superior (Andifes) expressou preocupação com o contingenciamento. “Os bloqueios de orçamento e a reprogramação dos limites de empenho no Ministério da Educação (MEC) têm sido motivo de grande preocupação para as universidades federais, que enfrentam dificuldades orçamentárias consideráveis há vários anos e foram diretamente afetadas neste processo”, respondeu à reportagem, em nota.
A entidade afirma estar em “constante diálogo” com a Secretaria de Educação Superior (SESu) e a Subsecretaria de Planejamento e Orçamento (SPO) tanto em relação ao orçamento de 2024 quanto o do próximo ano.
A reportagem questionou o Ministério da Educação sobre o total do contingenciamento, em todas as universidades e em outras áreas da pasta. Também foi perguntada a justificativa para os 18% aplicados no orçamento discricionário das instituições de educação superior. E, além disso, se poderia haver suplementações para universidades em situação mais difícil, como a UFRJ, para evitar o risco de colapso do funcionamento. Até o fechamento desta edição, não houve retorno da assessoria de comunicação do MEC.

POR QUE R$ 60 MILHÕES?

O contingenciamento no orçamento da UFRJ é resultado do congelamento de R$ 15 bilhões nas contas públicas promovido pelo governo para atender ao novo arcabouço fiscal. Com exceção do Ministério do Meio Ambiente, todas as pastas foram atingidas. As universidades tiveram 18% dos recursos vindos do Tesouro “congelados”. Além disso, foram bloqueadas as emendas parlamentares classificadas como RP2 (voltadas para o orçamento discricionário) não empenhadas até 23 de julho. A UFRJ, no entanto, já havia utilizado R$ 16,5 milhões dessa parte dos recursos antes do prazo. Também são preservadas as receitas próprias — decorrentes de aluguéis de espaços da universidade, por exemplo —, hoje em R$ 70,3 milhões. Os R$ 60 milhões decorrem dos 18% aplicados sobre o orçamento de R$ 420,6 milhões menos estes dois itens, informou o superintendente geral de Orçamento da universidade, George Pereira.

 

 

WhatsApp Image 2024 08 09 at 19.06.51 1Foto: Alexandre MedeirosO movimento em defesa do acesso aberto (open access) ganhou força a partir dos anos 2000 e angariou expressiva adesão entre os cientistas brasileiros. Ele se propõe como alternativa ao modelo tradicional de publicação de artigos científicos restrito a assinaturas ou acessos pagos (paywall). Com isso, o acesso aberto traz mais visibilidade e citações aos artigos publicados, certo? No caso do Brasil, a resposta é não. É o que revela o robusto estudo intitulado “Impacto da Política de Acesso Aberto na Ciência Brasileira e Tendências Globais”, recentemente publicado nos Anais da Academia Brasileira de Ciências.
Liderada pelos professores Claudia Figueiredo (UFRJ), Connie McManus (UnB), Brenno da Silveira Neto (UnB) e Abilio Baeta Neves (UFRGS e PUC-RS), a pesquisa rastreou o caminho de artigos científicos publicados pelos 267.823 doutores formados no Brasil entre 2005 e 2021, em todas as áreas do conhecimento. Os resultados mostram que, para autores brasileiros, a escolha do modelo de acesso aberto não melhorou significativamente o número de citações ou a visibilidade de suas pesquisas.
“Os pesquisadores brasileiros publicam mais em acesso aberto do que os autores globais. Essa é uma tendência do Brasil. Mas isso se traduz, por exemplo, em mais citações? Não. O que dá mais citações é a publicação em revistas do Norte Global e em acesso fechado”, registra a professora Claudia Figueiredo, da Faculdade de Farmácia da UFRJ, sobre uma das conclusões do trabalho.

PESQUISA
Para estruturar o estudo, a equipe se valeu de alguns critérios basilares. A partir das bases de dados da Web of Science e do Scopus, de 2013 a 2022, os pesquisadores mapearam a visibilidade internacional das publicações, avaliando a acessibilidade dos periódicos e utilizando indicadores-chave de qualidade científica para comparar tendências globais. Para aferir a qualidade, a equipe usou como parâmetros a porcentagem de documentos citados, o fator de impacto do periódico (JIF) e do CNCI (Category Normalised Citation Index) de cada artigo. O JIF mede a média de citações recebidas por artigos em um jornal específico em um ano, enquanto o CNCI ajusta as métricas de citação pela área de pesquisa, comparando as citações de um artigo com a média de sua categoria.
A pesquisa mostrou que os autores brasileiros publicam mais em acesso aberto, sobretudo em periódicos do Sul Global, mas que esse modelo tem sido ineficaz para melhorar o impacto da ciência brasileira. “Acho que a principal discussão não é sobre o modelo, se aberto ou fechado, mas sim que a gente tem que melhorar o impacto das pesquisas e a qualidade das publicações. Não basta apenas ser acesso aberto para melhorar o impacto, é necessário que seja uma revista de prestígio e, preferencialmente, aquelas publicadas no Norte Global”, avalia o professor Brenno da Silveira Neto (UnB), um dos líderes do estudo.
Segundo ele, aspectos financeiros relevantes devem ser considerados. “A principal via de acesso a publicações no Brasil é o financiamento institucional e público, mas muitas vezes não há previsão orçamentária para isso. Publicar em revistas de grande relevância e tradição, como a Nature ou a Science, traz bons resultados. A questão é que o custo é muito alto, há certo exagero nos valores, criando um modelo de negócios bastante lucrativo”, diz Silveira Neto.
Periódicos como Nature e Science adotam políticas de acesso aberto obrigatórias, mas a custos elevados — em torno de U$ 5 mil a U$ 10 mil por artigo. Revistas consideradas “predatórias” cobram por volta de U$ 1 mil por publicação em acesso aberto. “Essa realidade é um desafio para pesquisadores de países como o Brasil, onde os recursos para pesquisa são escassos. O estudo faz um diagnóstico que pode ajudar a direcionar recursos de publicação de forma estratégica, com foco em periódicos de relevância, e não dispersos em publicações de pouca visibilidade”, aponta Claudia Figueiredo.
Para o professor Rodrigo Fonseca (Nupem-UFRJ), diretor da AdUFRJ, a pesquisa faz alertas importantes. “Ela analisa algo que é considerado um dogma, que pesquisas publicadas como acesso aberto ganham mais citações, o que parece não ser uma verdade plena. É importante relembrar que temos poucos recursos para financiar as próprias pesquisas e aí precisamos muito refletir sobre como gastá-los”, diz Rodrigo.

CONTRIBUIÇÕES
A professora Claudia Figueiredo alerta para a proliferação de periódicos predatórios. “O mercado de publicações científicas cresceu muito, há hoje um grande número de revistas especializadas nesse segmento. Antes, no modelo tradicional de paywall, quem queria ler tinha que pagar pelo acesso. Com o modelo de acesso aberto, quem paga é o autor. As revistas repassaram o custo de sua manutenção a quem publica. No caso do Brasil, alguns pesquisadores pagam do próprio bolso se não têm ajuda institucional. A questão é que há periódicos de grandes editoras, com bons índices de impacto, cobrando para publicar R$ 3 mil ou R$ 4 mil. Mas usando estratégias questionáveis”, adverte ela.
Entre essas estratégias estão a de publicar muitos artigos de revisões, gerar citações de uma revista para outra da mesma editora, usar o envio massivo de convites para submissão de artigos, e a criação em série de edições especiais. “Essas publicações têm um índice de impacto inflado artificialmente”, diz Claudia. “O dinheiro que o brasileiro está pagando para publicar em acesso aberto em revistas de impacto baixo no Sul Global, e pagando alto, não está gerando retorno em termos de citação ou de visibilidade. E, na maior parte das vezes, estamos falando de dinheiro público”.
A professora enaltece o papel da Capes nesse processo. “A Capes tem o Portal de Periódicos, que é fundamental para nós. Mas estamos em transição. Não precisamos mais pagar tanto para ler, mas precisamos pagar para publicar. Essa pesquisa pode contribuir para a formulação de políticas públicas, como a da Capes. O certo é que o que estamos pagando não está se refletindo na visibilidade da Ciência brasileira”, avalia Claudia Figueiredo.

SUPORTE
A Capes tem feito movimentos importantes de apoio aos pesquisadores brasileiros no campo das publicações. Em sua posse no comando da agência, em 27 de fevereiro deste ano, a professora Denise Pires de Carvalho, ex-reitora da UFRJ, anunciou uma mudança significativa no contrato com a American Chemical Society (ACS): uma conversão de 68 periódicos do modelo read only (somente leitura) para read and publish (ler e publicar), por um período de cinco anos.
A mudança no contrato passou a permitir que pesquisadores brasileiros publiquem seus artigos nos periódicos da ACS, em acesso aberto e sem custos, após a devida revisão por pares. Ao longo dos últimos meses, a Capes tem ampliado o processo de negociação de novos acordos nos mesmos moldes como o assinado com a ACS.
“Estamos em negociação com a Wiley, a Springer e a IEEE, além da American Chemical Society. Essas parcerias visam ampliar os contratos de leitura e publicação, permitindo que artigos com coautoria de autores de instituições brasileiras participantes de nosso Portal de Periódicos sejam publicados em acesso aberto. Além disso, a Capes apoia o SciELO (sigla em inglês para Biblioteca Eletrônica Científica Online) e está empenhada em promover o fortalecimento das revistas científicas do Brasil, buscando consolidar a produção acadêmica nacional e aumentar seu impacto internacional”, informa a professora Denise Pires de Carvalho.
Em 2023, a Capes teve recursos de R$ 546 milhões para seu Portal de Periódicos. Para este ano, a dotação orçamentária é de R$ 478 milhões.

454652944 906872644819825 8483852529022221287 nA diretoria da AdUFRJ criou um abaixo-assinado de protesto contra o contingenciamento. O documento pode ser assinado em https://forms.gle/Ck87avjEV3634RHZA. “Regras fiscais draconianas não podem sufocar o processo de democratização do acesso ao ensino superior, a formação de quadros e a produção científica e cultural da maior federal do país”, diz um trecho.
A presidente da AdUFRJ, professora Mayra Goulart, convida todos os colegas a subscreverem o texto, que pode ser lido, na íntegra, abaixo. “Será mais um instrumento de pressão junto aos tomadores de decisão em Brasília para reverter este contingenciamento”, afirma.
Coordenadora do Observatório do Conhecimento — rede de associações docentes que defendem a universidade pública e a liberdade de cátedra —, Mayra enfatiza a preocupante situação do orçamento da educação superior pública e do sistema de C&T do país. “Estamos trabalhando com metade das receitas de uma década atrás, em valores corrigidos pela inflação. Não podemos suportar mais nenhuma perda em nossos recursos”, avalia.
 
Car@s colegas,

A diretoria da AdUFRJ e os professores abaixo-assinados vêm protestar contra o contingenciamento de R$ 60 milhões dos já combalidos cofres da UFRJ. A "tesourada" atinge as chamadas verbas discricionárias, ou seja, aquelas necessárias ao funcionamento da instituição. 

O bloqueio é resultado do congelamento de R$ 15 bilhões nas contas públicas promovido pelo governo para atender ao novo arcabouço fiscal. Com exceção do Ministério do Meio Ambiente, nenhuma pasta foi poupada. O MEC perdeu R$ 1,28 bilhão.

A situação é gravíssima na UFRJ. O valor equivale a aproximadamente dois meses do custo mensal da universidade. E, há meses, a reitoria anunciava que as atuais receitas já seriam insuficientes para honrar todos os compromissos assumidos em 2024. 

Agora, além de proibir que a universidade gaste o pouco que ainda estava disponível (R$ 9,4 milhões), o governo obriga a UFRJ a anular R$ 50,6 milhões em empenhos. Isto é, despesas que estavam na fila para serem pagas.

Em ofício encaminhado pelo reitor Roberto Medronho nesta manhã a todas as unidades e centros, o dirigente pede que sejam racionados os usos de energia elétrica e água. Somente estes dois serviços devem custar R$ 138 milhões até o fim do ano.

As contas milionárias não surpreendem em um gigante como a UFRJ. Trata-se da primeira instituição oficial de ensino superior do país, organizada como universidade em 1920. Aos 104 anos, possui 175 cursos de graduação, 132 programas de pós-graduação stricto sensu (41 deles com conceito 6 e 7, os mais altos da avaliação da Capes), 6 cursos de aperfeiçoamento, 377 cursos de especialização, 130 residências, 1.779 ações de extensão e um Colégio de Aplicação. Reúne 1.450 laboratórios, 45 bibliotecas, um Parque Tecnológico com startups e empresas de protagonismo nacional e internacional, 9 hospitais universitários e 8 museus, além de 14 prédios tombados. Possui campi nas cidades do Rio de Janeiro, Macaé e Duque de Caxias.

Já formamos uma sucessão de ex-estudantes notáveis, como o indicado ao Prêmio Nobel da Paz Osvaldo Aranha; os escritores Jorge Amado, Vinícius de Moraes e Clarice Lispector; o arquiteto Oscar Niemeyer; os médicos Oswaldo Cruz e Carlos Chagas; o historiador Sérgio Buarque de Holanda; e o matemático Artur Ávila, entre tantos outros. Hoje, temos mais de 65 mil alunos e mais de 23 mil deles ingressaram na universidade em diversas modalidades de ações afirmativas. 

Regras fiscais draconianas não podem sufocar o processo de democratização do acesso ao ensino superior, a formação de quadros e a produção científica e cultural da maior federal do país. 

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